A história de Alexandre Desplat, hoje com 59 anos, já é interessante desde o nascimento. Ele nasceu em Paris, o pai francês e a mãe grega. Detalhe: ambos se conheceram na Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos. Estudou música desde cedo, primeiro piano, em seguida o trompete, mas fixou-se mesmo na flauta.
Ficou mundialmente conhecido por suas mais de 130 trilhas para filmes, de início na França, depois em Hollywood. Filmes que você com certeza conhece, como “Garota com brinco de pérola” (2003). Em 2007, foi indicado pela primeira vez ao Oscar pela trilha de “Rainha”. Dali em diante, não parou mais de se destacar. Entre tantas outras, fez as trilhas de “Harry Potter” e “Saga Crepúsculo”.
Em 2014, ganhou seu primeiro Oscar, pela trilha de “Grande Hotel Budapeste”. No ano seguinte, um de seus melhores trabalhos foi a trilha para “Garota Dinamarquesa”. “A forma da água”, de 2017, deu-lhe seu segundo Oscar de melhor trilha sonora.
O CD desta semana, “Airlines”, poderia tranquilamente ser preenchido com suítes de algumas de suas trilhas sonoras. Elas estão lá -- caso de “Hotel Budapeste” e “Garota com brinco de pérola” --, mas Desplat aproveitou a deixa para mostrar o seu lado menos conhecido, o de compositor de música de concerto.
Além de “Airlines”, uma curta, porém intensa peça para flauta solo dedicada a Emmanuel Pahud, seu parceiro neste álbum magnífico, Desplat mostra também a encorpada sinfonia concertante “Pélleas et Mélisande”, para flauta e orquestra, em três movimentos.
Para quem conhece apenas suas trilhas sonoras, a sinfonia pode intimidar um pouco. Faça o seguinte: ouça algumas vezes, você certamente vai se encantar. Desplat não tem se descuidado da música de concerto. Compôs música para balé e uma ópera, que estreou no início deste ano. E no fianl de 2018 regeu a Orquestra Nacional da França, em Paris, em concerto que incluiu as duas criações que estão neste álbum. As performances que estão no CD desta semana são daquele concerto.
“Pélleas et Mélisande” -- baseada, como a ópera de Claude Debussy, de 1902, na peça do dramaturgo belga Maurice Maeterlinck -- é um tema recorrente na imaginação dos músicos europeus desde sua estreia, em 1892. A bela Mélisande, casada com Goulaud, apaixona-se pelo irmão dele, Pélleas. O marido traído descobre, mata o irmão e fere de morte sua mulher.
Os títulos dos movimentos da sinfonia concertante de Desplat indicam a trama: “Comme un oiseau pourchassé”, como um pássaro perseguido, é o primeiro. Desplat disse em entrevista que sentiu-se mais livre por trabalhar sem remeter a imagens. O segundo, “Ils regardent la lumière”, eles contemplam a luz, retrata o amor proibido que se concretiza; e o terceiro, “Rosée de plomb, inexorables ténèbres”, orvalho de chumbo, trevas inexoráveis, narra o desfecho trágico. Música de alta qualidade, verdade que a meio-caminho entre as linguagens mais acessíveis das trilhas para o cinema e às vezes tímida do ponto de vista de uma música de concerto.
Tudo isso valoriza-se por causa da maestria de Emmanuel Pahud, o maior flautista da atualidade. Aliás, “Airlines” vale muito a pena ser ouvida. Foi escrita para Pahud, que exibe aqui uma técnica transcendente, combinando, em momentos antológicos, contornos de dança com dramáticos cortes. Isso sem contar os arranjos que Desplat escreveu para flauta e orquestra de músicas de trilhas que o tornaram famoso, como “A forma da água” e “Grande Hotel Budapeste”.
A cada semana o crítico musical João Marcos Coelho apresenta aos ouvintes da Cultura FM as novidades e lançamentos nacionais e internacionais do universo da música erudita, jazz e música brasileira. CD da Semana vai ao ar de terça a sexta dentro da programação do Estação Cultura e Tarde Cultura.
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