Fundação Padre Anchieta

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Marco Borggreve/Warner Classics
Marco Borggreve/Warner Classics Fazil Say

Ele completou 50 anos em 14 de janeiro passado. Nascido em Ancara, Turquia, Fazil Say é um pianista fora da caixinha. Um legítimo representante de ao menos dois grandes pianistas do século 20: o canadense Glenn Gould e o austríaco Friedrich Gulda. Os três têm a mesma qualidade de surpreender a cada passo de suas carreiras fulgurantes. Gould construiu todo o seu prestígio tocando Bach no piano moderno, mas compôs música, elogiou Barbra Streisand num momento em que os músicos eruditos só torciam os empolados narizes para as músicas populares, fez centenas de programas radiofônicos, etc.,etc. Gulda, de seu lado, cresceu na Viena que assistiu à época dourada de Haydn-Mozart-Beethoven. Tornou-se, claro, um especialista nos dois últimos. Mas não teve dúvidas, na comemoração dos 200 anos de nascimento de Beethoven, aparecer nu no vetusto Musikverein de Viena para tocar algumas de suas sonatas. Conheceu o Harlem em 1950, gostou tanto do jazz que estudou-o durante alguns anos e fez um retorno triunfal tocando num quinteto de jazz no Birdland, em Nova York. Também compôs.

Fazil, de seu lado, tem lutado com todas as suas forças contra o regime autoritário de Erdoghan na Turquia, chegou a ser preso por ofensas ao regime. Também compôs sinfonias, em geral bastante ligadas às suas origens étnicas.

Só faltava a Say uma realização para completar esta afinidade virtuosa com Gould e Gulda: gravar a integral das sonatas de Beethoven. Ele acaba de lançar a sua integral neste ano em que um tsunami de gravações invadirá todos os portais de streaming no planeta. Confessou candidamente que só tocava as mais famosas – e que foi obrigado a estudar pesado para amadurecer suas interpretações sempre pessoais.

Durante este ano, estamos conhecendo esta integral do pianista turco, gravada para a Warner Classics. Há algumas semanas você ouviu as primeiras sonatas de Beethoven, sonatas de juventude.

Hoje a proposta é radicalmente oposta. As três últimas, três dos maiores monumentos da história da música: a opus 109, em mi maior, que contém aquele tema no movimento final, que sofre seis estupendas e surpreendentes variações; a opus 110, em lá bemol maior, com seu belíssimo moderato cantabile inicial, molto espressivo, além de um scherzo brevíssimo, menos de 3 minutos, mas imponente; e a sonata opus 111 – a mais comentada, a mais enigmática, a mais célebre, que levou o escritor Thomas Mann a dedicar à sua análise minuciosa um capítulo inteiro de seu romance “Doutor Fausto”.

Sonatas que já foram gravadas centenas, acho que milhares de vezes, encontram em Fazil Say um pianista que acentua detalhes e também faz da execução uma viagem sempre impetuosa. Ficamos a todo momento à espreita de algo imprevisível. É isso que torna sua audição tão interessante. Mesmo que existam centenas, senão milhares, de outras gravações destas sonatas.


A cada semana o crítico musical João Marcos Coelho apresenta aos ouvintes da Cultura FM as novidades e lançamentos nacionais e internacionais do universo da música erudita, jazz e música brasileira. CD da Semana vai ao ar de terça a sexta dentro da programação do Estação Cultura e Tarde Cultura.