O pianista israelense Matan Porat, 39 anos, é um músico convicto do que faz. Constrói cada um de seus álbuns como se fossem playlists em torno de um tema. Foi assim com seus dois primeiros CDs para a gravadora francesa Mirare: “Variações sobre um tema de Domenico Scarlatti” em 2013, e “Lux”, de 2018. Neste último, ele inaugurou um novo tipo de “playlist”, digamos assim: se no primeiro, partiu dos intervalos e células motívicas de uma sonata de Scarlatti para percorrer um enorme arco da música ao longo do tempo, em “Lux” atribuía novos significados a peças que, justapostas, surgem diante de nós como se fossem inéditas. Associou diversas peças ao desenrolar de um dia, do nascer do sol ao cair da noite. “Eu queria tomar como ponto de partida um enquadramento mais flexível e utilizá-lo em grande escala. Cada peça refere-se a uma fase específica do dia. Procurei palavras, cores, períodos, títulos”.
Em 2020, em plena pandemia, Matan lançou seu terceiro álbum, “Carnaval”. Sempre com o espírito de “compor” uma nova e orgânica obra musical a partir da ressignificação de peças mais curtas. Só que agora Matan toma como matéria-prima, ou melhor, insumo musical, o famoso ciclo romântico “Carnaval” de Robert Schumann. O longo título é auto-explicativo: “Um recital em torno do ‘Carnaval opus 9’ de Schumann”. Em sua nova proposta narrativa em torno deste ciclo tão célebre, Matan intercala, ou melhor, justapõe entre as 21 peças curtas do ciclo outras 23 miniaturas pianísticas num largo espectro histórico, que vai de François Couperin, o célebre cravista francês do século 18, ao húngaro contemporâneo Gyorgy Kurtág, hoje com 94 anos. Entre uns e outros, encaixa peças de Stockhausen, um dos papas da vanguarda experimental da música no século 20, e do russo Igor Stravinsky, tido por muitos como o maior compositor do mesmo século 20.
Sua ideia básica foi criar um imenso e orgânico painel musical que brota de características e cacoetes do ciclo que Schumann compôs em 1835. Um exemplo engenhoso: depois da segunda peça do ciclo, “Pierrot”, Matan ataca “A manhã da Pierrette”, do ciclo “Carnaval das Crianças Brasileiras”, de Heitor Villa-Lobos. Na sequência justapõe “Arlequin”(Schumann) com “Akiko/Arlequin” do compositor contemporâneo alemão Helmut Lachenmann, hoje com 85 anos.
Mas não é só pelos títulos que ele se guia para “compor” este mosaico. ”Sphinx”, do oboísta e compositor contemporâneo suíço Heinz Holliger, é um tributo a Schumann, assim como a peça justaposta, “Un poco di Schumann”, de Tchaikovsky
E por aí vai, num passeio eclético que surpreende a cada proposta deste pianista que, vale destacar, é excepcional. Um álbum, portanto, que vale pela ideia, mas também pela execução primorosa.
A cada semana o crítico musical João Marcos Coelho apresenta aos ouvintes da Cultura FM as novidades e lançamentos nacionais e internacionais do universo da música erudita, jazz e música brasileira. CD da Semana vai ao ar de terça a sexta dentro da programação do Estação Cultura e Tarde Cultura.
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