Robert e Clara Schumann casaram-se no dia 12 de setembro de 1840, na pequena igreja de Schönefeld, nos arredores de Leipzig. Na véspera, ele ofereceu à noiva uma coroa de “Myrtes” [flores], ou seja, um álbum de manuscritos de 22 lieder amarrados com uma fita de veludo vermelho com esta dedicatória: “À minha Clara amada, na véspera de nosso casamento, de seu Robert”.
Naquele primeiro ano de casamento, Robert compôs 140 lieder, uma produção formidável em que se concentram algumas das mais celebradas obras-primas do gênero, como o ciclo “Dichterliebe”, O amor do poeta. A canção que abre o ciclo contém uma melodia arrebatadora. Um minuto e meio de duração, menos do que qualquer canção de Tom Jobim (aliás, tão bom quanto Schumann neste reino). Intitula-se No lindo e maravilhoso mês de maio. A palavra alemã é wunderschönen. Wunder é maravilhoso e schöne é lindo, belo. Os versos de Heinrich Heine o ajudam a contar como desabrochou sua paixão por Clara. Dizem mais ou menos o seguinte, em tradução livre:
No maravilhoso mês de maio,
quando os botões abriam-se em flor,
também em meu coração
desabrochou o amor
No maravilhoso mês de maio,
os pássaros todos a cantar,
o meu desejo e ardor
eu pude lhe confessar.
É uma das mais lindas declarações de amor de todos os tempos. Talvez tenha sido por isso que o violoncelista brasileiro Raiff Dantas Barreto, acompanhado pelo pianista Flávio Augusto, tenha concebido este belíssimo álbum, que combina qualidade de interpretação com ousadia artística. Afiunal, o CD intitula-se “Lieder ohne Worte”, em alemão mesmo, ou seja, canções sem palavras, mas não aquelas do ciclo para piano de Mendelssohn.
Aqui eles mergulham no universo dos mais belos lieder românticos, de Schubert, o clímax do gênero com suas mais de 600 canções, e também Brahms. Mas o ciclo do amor do poeta é a empreitada mais ambiciosa do álbum. “As interpretações”, esclarece Raiff no texto do encarte, “não ficaram restritas à simples transcrição das melodias para o instrumento, mas procuraram levar em consideração a poesia e a emoção das palavras, como se o cello estivesse de fato, cantando”. Aliás, os poemas de Heinrich Heine são verdadeiras obras-primas. Para conseguir isso, Raiff “utilizou diferentes articulações no instrumento, respeitando a pronúncia das palavras existentes nas obras originais”.
Este é o CD desta semana, na Cultura FM. Uma celebração de lindas melodias. E de amor, para passarmos bem de 2021 para 2022.
A cada semana o crítico musical João Marcos Coelho apresenta aos ouvintes da Cultura FM as novidades e lançamentos nacionais e internacionais do universo da música erudita, jazz e música brasileira. CD da Semana vai ao ar de terça a sexta dentro da programação do Estação Cultura e Tarde Cultura.
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