Um notável pianista, no auge de sua afirmação individual, em confronto com obras-primas do repertório romântico. É este o estágio atual do pianista inglês Paul Lewis. Aos 49 anos, tem aquela chama dos músicos que se põem nus diante do texto musical, e a partir destas cartografias, ambíguas e cheias de armadilhas, faz opções inesperadas, constrói itinerários que compartilha em estado de comunhão com o público. É raro.
Tenho na memória um recital do pianista na Sala São Paulo, seis anos atrás. Lewis tocou, entre outras peças, os três Intermezzi op. 117 escritos por Brahms aos 59 anos, resignado pelo peso do tempo. Tonalidades sombrias misturadas com desejos secretos. Como o de expressar em música o doce prazer do avô ao pôr o netinho pra dormir (neto que não teve). Brahms baseou-se no verso de uma canção de ninar escocesa: “Durma tranquila, minha criança, sofro tanto quando te vejo chorar”. No segundo intermezzo, Lewis trouxe de volta o Schumann que tocara na primeira parte – evocação de uma amizade vital entre os dois compositores: o segundo tema é só uma variante, aumentada e em ré bemol maior, relativo do si bemol menor do primeiro tema. O fim implica angústia e renúncia, como testemunha o terceiro intermezzo, um andante con moto.
“Pianissimos triplos inefáveis, quase-silêncios; planos sonoros sutilmente sobrepostos e dialogando entre si; articulação clara, contrastes na justa medida. Lewis manteve nossos ouvidos em alerta todo o tempo para não perder nenhum detalhe”, escrevi em crítica para o Estadão.
Pois ele repete a mágica que tentei descrever em 2016 em seu álbum lançado em 21 de janeiro passado. Ele vive um glorioso momento Brahms. E escolheu, nestes tempos em que a Covid-19 nos atemoriza com um vaivém incessante de cepas e novas ondas de contágio, este repertório outonal, as derradeiras peças de Brahms para o seu instrumento favorito, o piano; as sete “Fantasias opus 116”, os três Intermezzi opus 117 que descrevi acima; e as peças finais, que Brahms nem qualificou, chamou apenas de “klavierstücke”.
A cada semana o crítico musical João Marcos Coelho apresenta aos ouvintes da Cultura FM as novidades e lançamentos nacionais e internacionais do universo da música erudita, jazz e música brasileira. CD da Semana vai ao ar de terça a sexta dentro da programação do Estação Cultura e Tarde Cultura.
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