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Aos 77 anos, o violinista letão Gidon Kremer mantém intacta a virtuosa conjunção entre sua condição de um dos maiores músicos do nosso tempo e de um músico-cidadão, que não foge nem se omite no turbilhão da vida política do planeta. Desde a ascensão de Putin ao poder na Rússia, lá se vão mais de vinte anos, Kremer tem defendido não só os músicos reprimidos pelo regime, mas também líderes políticos que fizeram oposição a Putin. Entre eles, Alexei Navalny, morto em 24 de fevereiro passado numa prisão no Ártico russo, antigo Gulag, aos 47 anos, às vésperas de uma eleição na qual pretendia concorrer com Putin pela presidência da Rússia. Acrescente-se o momento particularmente doloroso vivido por judeus e palestinos desde outubro de 2023.
O CD desta semana foi lançado em janeiro de 2024, e tem como título “Canções do Destino”. Não foca especificamente na situação russa, mas busca alcançar, musicalmente, a essência da alma judaica. “Kremer talvez jamais tenha se revelado tão íntima e existencialmente como neste álbum”, escreve Wolfgang Sandner em texto do álbum lançado pela ECM e produzido por Manfred Eicher. De fato, o próprio violinista, fundador da Kremerata Baltica e defensor militante dos países bálticos por toda a sua carreira, reconheceu isso numa entrevista recente: “Percebo agora - para minha própria surpresa - que, em muitos aspectos, este álbum gira em torno da noção de 'judaísmo'”. Kremer remete aqui à sua ascendência báltica e judaica.
Para além de questões políticas, eles impõem-se pela excepcional qualidade da música que praticam. Kremer foi um dos primeiros, senão o primeiro, a gravar e resgatar a importante obra do compositor polonês Mieczyslaw Weinberg, amigo próximo de Shostakovich, nascido em 1919 e que sofreu horrores na ex-União Soviética, ficou preso por vários anos e morreu praticamente esquecido em 1996. E faz dele o centro deste álbum, com as belíssimas e intensas “Três Canções Judaicas infantis”. Também está presente a sinfonia de câmara “A Estrela de Davi” do lituano Giedrius Kuprevicius, de 79 anos.
Mas ele mantém seu credo de gravar a música do nosso tempo, a dos jovens compositores. Neste álbum, os escolhidos são a lituana Raminta Serksnyte, de 45 anos, e Jekabs Jancevskis, letão de Riga como Kremer, de 31 anos. Ela assina a interessante “Isso também deve passar”. De Jancevskis, “Lignum”, para cordas, sinos e svilpaunieki, instrumento folclórico letão que soa como uma ocarina.
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