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Carol Veras - AGÊNCIA CENARIUM

MANAUS (AM) - O aumento da temperatura da bacia amazônica entrou em debate na 5ª Conferência Nacional sobre Ciência e Tecnologia, que encerra nesta quinta-feira, 1º, em Brasília. A preocupação do Poder Público e de organizações da sociedade civil é com a insegurança alimentar da população afetada pelo aquecimento das águas. Pesquisas apontam que 90% da proteína consumida na Amazônia Legal é proveniente de peixes, e cada espécie possui um limite crítico suportável para a sobrevivência.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados em abril deste ano, 2 milhões de residentes do Amazonas vivem em situação de insegurança alimentar. Dentre estes, mais de 400 mil estão em condições extremamente graves, sob situação que pode levar à fome. Os números se agravaram durante a seca histórica em 2023, com a diminuição da população de peixes na região, influenciada pela estiagem e pelas altas temperaturas.

De acordo com o Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância (Unicef), as populações mais vulneráveis à seca incluem indígenas, ribeirinhos, quilombolas e moradores de áreas periféricas, que já enfrentam situações de vulnerabilidade. Estas comunidades sofrem com a perda de terras e recursos naturais e têm dificuldades de acesso a serviços básicos como saneamento, saúde e educação.

Ribeirinhos caminhando durante a seca do Rio Negro, no Amazonas, em 2023 (Arquivo/Ricardo Oliveira/CENARIUM)

A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) estima que a pesca produza, em média, 173 mil toneladas de peixe por ano na Amazônia, gerando cerca de R$ 389 milhões. O pescado é alimento básico para 500 mil habitantes da zona rural do Amazonas, com consumo per capita, por ano, em comunidades ribeirinhas de até 180 quilos, apontam dados do Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Estado do Amazonas (Idam).

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) relembrou, na reunião, o caso ocorrido entre setembro e outubro de 2023, quando 209 botos e tucuxis morreram em decorrência da temperatura da água no Lago Tefé, que fica em frente à cidade de mesmo nome no Amazonas, localizada a 521 quilômetros de Manaus. Pesquisas indicam que esse fenômeno acontece por conta do aquecimento das águas oceânicas.

De acordo com o diretor do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM), João Valsecchi, naquele período, em um único dia, 70 animais morreram quando a temperatura da água atingiu pico de 40,9°C. “Se for pensar em ser humano, é como se estivesse com febre extrema”, comparou, durante a conferência. O pesquisador relatou, ainda, que análises indicaram que a causa da morte é proveniente do aumento da temperatura da água de até 13°C, podendo chegar a 35°C durante o dia. Conforme pesquisas, Amazônia segue a tendência global, que está em 0,6°C por década.

Estudos realizados pelo Laboratório de Modelagem do Sistema Climático Terrestre (Labclim), da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), indicam que esse aumento pode ser causado pelo fenômeno El Niño. Conforme o último relatório divulgado pelo Professor Francis Wagner, coordenador do projeto, "observa-se um aquecimento anômalo persistente no Atlântico Tropical Norte. Esse aquecimento influencia o deslocamento da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) para o norte da América do Sul".

O professor doutor Francis Wagner (Luiz André Nascimento/CENARIUM)
Calor e secas

No relatório divulgado pelo Labclim consta que, com as previsões das anomalias de temperatura do ar a 2 m (ºC), os modelos apresentados preveem temperaturas acima da média climatológica em toda a bacia amazônica nos meses de julho, agosto, setembro e outubro, especialmente na porção sul. Ainda no documento, os pesquisadores concluem que o Rio Solimões apresentou descidas em Tabatinga, além de pequenas descidas em Fonte Boa, Itapeuá e Manacapuru.

Em Manaus, o nível do rio está normal, com uma descida média diária de cerca de 1,13 cm durante a semana. Em 3 de julho de 2024, o nível do rio em Manaus foi de 26,76 metros, 1,20 metros abaixo do mesmo período de 2023. Já o Rio Acre, em Rio Branco (AC), teve pequenas elevações na semana, mas com níveis baixos para esta época do ano. Em Beruri, o Rio Purus registrou pequenas descidas diárias, com um nível de 18,53 metros em 3 de julho de 2024.

Pescador puxa canoa com o braço em estiagem na Amazônia, em 2023 (Arquivo/Ricardo Oliveira/CENARIUM)

A pesquisa também alerta para a alta das temperaturas, que novamente estarão acima da média climatológica em toda a bacia amazônica. A região centro-sul do Estado do Amazonas poderá apresentar as anomalias mais acentuadas, conforme indicado pelos modelos climáticos sazonais utilizados pelos pesquisadores. A previsão de chuvas abaixo da média segue na região, com exceção do extremo norte dos Estados de Roraima e do Amapá, onde se espera precipitação acima da média.

Contenção de danos

O governador do Amazonas, Wilson Lima, anunciou, em julho deste ano, medidas para enfrentar a estiagem no Estado, com a assinatura de quatro decretos, incluindo a oficialização do Comitê de Enfrentamento às Mudanças Climáticas, composto por 28 representantes de Secretarias do Estado, para otimizar a distribuição de serviços durante a seca.

O governador expôs, ainda, preocupação com os níveis das calhas. “Estamos no verão amazônico, naturalmente todas as nossas bacias estão no seu processo de vazante, porém um processo preocupante porque elas não se recuperaram suficientemente e não temos a previsibilidade de chuvas que possam permitir que houvesse pelo menos a manutenção desses rios”, disse em coletiva de imprensa no dia 5 de julho.