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Fabyo Cruz - AGÊNCIA CENARIUM

BELÉM (PA) - Em Belém, capital do Pará, a desigualdade social se manifesta de maneira alarmante na distribuição das áreas de risco. Dados recentes revelam que duas em cada três pessoas que vivem nas regiões conhecidas como "manchas de inundação" são negras e de baixa renda. Esse cenário reflete o impacto do racismo ambiental, um termo que descreve como políticas e práticas ambientais tendem a afetar de maneira desproporcional as populações mais vulneráveis, como comunidades quilombolas, ribeirinhas e indígenas.

A realidade de Belém é uma parte do que se vê em toda a Amazônia brasileira, onde as comunidades são marginalizadas e expostas aos riscos ambientais. A ocupação dessas áreas não é uma escolha, mas uma imposição causada pela falta de acesso a moradias seguras e pela ausência de ações governamentais que assegurem uma distribuição justa do território.

O dado mencionado no começo da publicação, referente à ocupação de pessoas negras e de baixa renda em regiões de manchas de inundação, é do livro “A ilusão da igualdade: natureza, justiça ambiental e racismo em Belém”, de 2023, escrito pelo arquiteto e urbanista Thales Barroso Miranda. A obra foi reconhecida no XII Prêmio Brasileiro “Política e Planejamento Urbano e Regional” de Dissertações de Mestrado.

À CENARIUM, Thales diz que, ao discutir a ilusão de igualdade em Belém, refere-se a estudos urbanos e demográficos que tratam problemas como habitação, mudança e pobreza de forma genérica, sem considerar sua construção histórica. E destaca que a mídia e alguns pesquisadores frequentemente noticiam inundações na cidade como se todos sofressem igualmente, o que não reflete a realidade.

Belém se desenvolveu a partir da desigualdade histórica, desde a colonização portuguesa até os dias atuais. A cidade foi moldada por injustiças ambientais, com a exclusão de pessoas não-brancas no planejamento urbano, tanto no período escravocrata quanto no pós-escravocrata. Essa desigualdade persiste, como exemplificado pelos novos condomínios fechados que surgem nas áreas de expansão, exacerbando problemas ambientais e deslocando as inundações para áreas mais baixas, onde residem pessoas negras e pobres, sem infraestrutura adequada. Assim, a desigualdade no planejamento urbano e a falta de infraestrutura continuam a impactar a cidade”, afirmou.

Arquiteto e urbanista Thales Barroso Miranda (Arquivo pessoal)

O livro destaca também que a articulação entre governo e mercado gera desigualdades que afetam principalmente a população mais pobre e negra, configurando racismo ambiental. Essas práticas resultam em consequências socioambientais negativas para grupos específicos, demonstrando uma seletividade na exposição ao risco ambiental na cidade.

Seletividade e exclusão

Tay Silva, educomunicadora popular e ativista climática, de 25 anos, trabalha há cinco anos com comunicação, sendo pelo menos três desses dedicados ao ativismo climático, integrando a pauta de forma mais intensa em seus trabalhos e linguagem. Ela diz que percebeu que o debate climático envolve uma disputa de narrativas, onde as vozes de mulheres pretas da periferia e da Amazônia, especialmente jovens, são frequentemente silenciadas.

Quando comecei a falar sobre clima, foi por necessidade, por querer participar desse debate, não de forma isolada, mas ciente de que uma comunidade inteira está sendo silenciada e precisa urgentemente acessar esses espaços. Além de compreender o debate climático, que é muito complexo, é fundamental que essa comunidade também participe, expressando suas opiniões e mostrando como os impactos já afetam seus corpos. Para mim, foi uma virada de chave importante integrar esse debate climático aos meus trabalhos, à minha linguagem e ao meu território”, contou ativista.

A educomunicadora popular e ativista climática Tay Silva (Reprodução/Instagram)

Tay reside em uma vila localizada na periferia de Icoaraci, um dos oito distritos que formam Belém, e diz que já enfrentou situações de alagamento, além de dificuldades para se deslocar: “Uma vez que Icoaraci é uma periferia bastante afastada do centro da cidade, frequentemente, não conseguimos acessar saúde, cultura e lazer de forma tão democrática como deveria ser, conforme garantido pela Constituição. Esses casos me fizeram perceber a ligação direta com o racismo ambiental e as injustiças climáticas que nos afetam diariamente”, complementa.

Por meio das redes sociais e ações externas, Tay Silva incentiva que outras pessoas possam agregar na causa ambiental e por direitos fundamentais. “São experiências que vivi e continuo a viver, por optar por morar nesse território, apesar das muitas ausências. No entanto, também há muitas presenças, como a cultura popular, a ancestralidade que me guia e pessoas incríveis e potentes que revolucionam esse lugar”, completou.