Com nordestinos escravizados no Pará, tráfico de pessoas aumenta na Amazônia
Simultaneamente, o Estado também sofre com o tráfico de seus próprios cidadãos, especialmente para fins de exploração sexual.
25/08/2024 11h15
Fabyo Cruz - AGÊNCIA CENARIUM
BELÉM (PA) - O Estado do Pará, assim como outras regiões da Amazônia brasileira, tem sido alvo de um crescente fluxo de tráfico interno de pessoas, principalmente vindas do Nordeste, para fins de escravidão contemporânea. Simultaneamente, o Estado também sofre com o tráfico de seus próprios cidadãos, especialmente para fins de exploração sexual. Para combater esse problema, setores do Ministério Público do Pará (MP/PA) e organizações da sociedade civil atuam arduamente para apoiar as vítimas e garantir a punição dos criminosos.
Em entrevista à CENARIUM, a promotora de Justiça Ana Maria Magalhães explicou como o crime ocorre. Para a autoridade, o tráfico de pessoas é um crime complexo, envolvendo fatores econômicos, sociais, culturais e psicológicos. De acordo com a definição legal, essa conduta criminosa envolve o recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou acolhimento de pessoas com o objetivo de exploração sexual, trabalho análogo à escravidão, submissão à servidão, adoção ilegal e remoção de órgãos.
“Essas finalidades tornam essas práticas criminosas, pois subjugam seres humanos naturalmente livres, impondo-lhes uma relação de domínio extremo, atentatória à sua dignidade”, destacou Magalhães. A promotora enfatizou que o trabalho análogo à escravidão, por exemplo, se caracteriza pelo grau de domínio e sujeição imposto ao trabalhador.
Geralmente, as vítimas são atraídas por meio de fraude ou engano, com promessas de emprego, proteção, ou até mesmo casamento, o que as leva a aceitar sair de suas cidades para outros Estados ou Países. Uma vez traficadas, os criminosos assumem o controle de suas vidas por meio de ameaças, uso da força, coerção, abdução, abuso de poder, ou até pagamentos a terceiros que têm autoridade sobre elas.
Municípios paraenses
As cidades paraenses onde essas pessoas são levadas variam de acordo com o segmento em que serão exploradas. Dados de 2022 do Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil indicam que os municípios paraenses de São Félix do Xingu, Marabá e Rondon do Pará registraram o maior número de resgates de trabalhadores em situação análoga à de escravo no estado.
Essas regiões são destacadas pela atividade pecuária. Já no setor de mineração, Itaituba (PA) é mencionada como o maior polo de mineração ilegal do Brasil, onde mais de 60 mil garimpeiros trabalham em condições precárias que caracterizam o trabalho escravo.
Escassez de dados
Apesar da gravidade do problema, ainda não existe uma sistematização abrangente de dados sobre casos de tráfico no Pará. O Comitê do Ministério Público de Combate ao Trabalho em Condições Análogas à de Escravo e ao Tráfico de Pessoas, vinculado ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), publica dados estatísticos sobre investigações e ações judiciais em seu próprio site.
Em julho de 2024, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), por meio da Secretaria Nacional de Justiça (Senajus), divulgou o Relatório Nacional sobre Tráfico de Pessoas. Os dados são de 2021 a 2023. O estudo foi realizado com o apoio técnico do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc).
De acordo com o governo federal, o tráfico de pessoas é um crime marcado por alta subnotificação, o que faz com que os dados apresentados no relatório sejam apenas estimativas da realidade. Esse sub-registro ocorre porque as vítimas frequentemente têm medo de denunciar, seja por vergonha, discriminação, desconhecimento de sua condição de vítima, falta de informação sobre os mecanismos de denúncia, ou medo de represálias.
Atuação do MP
Segundo a promotora Ana Maria Magalhães, o MP/PA está comprometido em prevenir e reprimir o tráfico de pessoas, recebendo denúncias diretamente em suas promotorias de justiça ou pelo Disque 100. O órgão também oferece assistência e proteção às vítimas por meio do Centro de Apoio Operacional de Direitos Humanos (CAODH) e da Ouvidoria da Mulher.
Para mudar esse cenário, Magalhães destaca a necessidade de uma informação de qualidade e da atuação incansável da imprensa para educar a população sobre os perigos do tráfico de pessoas. Ela reforça a importância de investigações criminais rigorosas e da punição efetiva dos criminosos, pois a impunidade torna o crime atraente para indivíduos sem caráter e humanidade.
Discussão
Shirlene Souza, presidente da ONG Só Direitos, também falou à CENARIUM sobre a importância do trabalho da ONG no combate ao tráfico de pessoas. “O tráfico de pessoas é uma realidade presente em nosso estado, mas ainda pouco conhecida por muitos”, disse Shirlene. A ONG Só Direitos, fundada em 2006, atua há 18 anos nessa luta.
“Nosso trabalho é árduo porque o tema ainda é pouco discutido, mesmo em nível nacional. Vemos a importância de levar informação às comunidades periféricas, escolas públicas e faculdades para que as pessoas saibam identificar e combater o tráfico de pessoas”, explicou.
A paraense de 37 anos compartilhou também a sua própria experiência, tendo sido vítima de trabalho análogo à escravidão em Amsterdã. Ela encontrou apoio na ONG Só Direitos ao retornar ao Brasil e, desde então, se dedica a alertar a sociedade sobre os riscos do tráfico de pessoas.
"Criamos um grupo chamado Mulheres em Movimento, que até originou um livro contando a história dessas mulheres. Começamos a trabalhar com base em nossas experiências, buscando alertar a população sobre os riscos e a importância de conhecer o assunto. As ONGs sobrevivem através de doações, e apesar das dificuldades financeiras, nosso trabalho não parou. Continuamos levando a informação, que é a nossa principal arma. Mesmo assim, isso torna tudo mais difícil. Mas seguimos nessa luta!”, concluiu.
REDES SOCIAIS