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Como parte importante da cultura brasileira e mundial, o futebol não está isento dos preconceitos da sociedade. As demonstrações envolvem jogadores profissionais e amadores. Neste contexto, a LGBTfobia está presente nas torcidas, mas tem encontrado resistência.

O torcedor corintiano Railson Oliveira fundou o coletivo Fiel LGBT em 2019 com o objetivo de mostrar ao clube que também tem o direito de frequentar a Arena Neo Química para acompanhar de perto as partidas de seu time.

“Desde que criei o coletivo as reações negativas recaíram sobre mim no começo. Sofri muitas ameaças e disseram que se eu continuasse, me tornaria um cadáver”, relembra Oliveira.

Apesar de frequentar a Arena, a organizada nunca usou identificação com medo de sofrer represálias.

“Na última vez que fui assistir a um jogo, estava acompanhado de um namorado, mas tivemos que ficar como se fossemos dois amigos. A gente não pode se abraçar, se tocar, nem nada do tipo. Nossa luta é para que um dia possamos frequentar o estádio do jeito que somos”, conclui Railson.

Recentemente, o Corinthians protagonizou um episódio de homofobia. Em sua conta em uma rede social, foi usada a foto de um panetone com recheio de frutas para se referir ao São Paulo. O post foi apagado pouco tempo depois da publicação e o clube divulgou um pedido de desculpas pelo ocorrido.

"Depois que aconteceu esse episódio homofóbico, fizemos uma carta aberta de repúdio e mandei um e-mail para a diretoria do clube pedindo para que a gente possa colocar a bandeira do coletivo no estádio, mas não tive resposta”, relata Railson.

Em nota ao site da TV Cultura, a comunicação do time disse que o clube paulista promoveu ações de conscientização do grupo Fiel LGBT nas suas redes, por meio da área de Responsabilidade Social, e que recebeu o pedido do grupo, em 15 de dezembro passado.

"Naquele momento, porém, a transição administrativa se encontrava prejudicada devido à licença médica no referido departamento. Nesta semana, o grupo será convidado a apresentar suas propostas à atual gestão corintiana, a fim de que sejam estudadas, sempre em conjunto, novas parcerias e ações sobre o tema", diz o comunicado.

Veja os posts:




“O Corinthians divulgou um pacote de medidas para combater a homofobia. Nós transformamos um episódio lamentável em uma oportunidade de aprendizado. Foi feita uma advertência formal ao colaborador responsável e uma conferência com toda a equipe de comunicação”, explica José Colagrossi Neto, superintendente de marketing, comunicação e inovação do clube.

“Também mandamos uma mensagem para todos os patrocinadores lamentando o fato e neste mês faremos um profundo treinamento de reciclagem com a equipe para aumentar a percepção e a sensibilidade em relação ao tema”, conclui.

“O que vimos na página do Corinthians é lamentável, é um clube que já tinha se pronunciado algumas vezes contra a LGBTfobia e nós acreditávamos que tínhamos conseguido convencê-los de que é importante manter esse diálogo. Não esperávamos que uma coisa assim pudesse acontecer”, comenta Onã Rudá, fundador da Torcida LGBTricolor, do Bahia.

O Esporte Clube Bahia é pioneiro na causa, e fará a primeira camisa oficial de um clube de futebol da América Latina com a temática LGBT. A peça ainda nem começou a ser vendida pelo clube, mas já protagonizou polêmicas.

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De acordo com Onã Rudá, “só foi possível termos uma torcida LGBT porque o clube optou por fazer ações afirmativas antes, que nos deu tranquilidade para fazer uma torcida com esse perfil”.

O Porcoíris, grupo palmeirense que luta contra a LGBTfobia no futebol, também conseguiu um grande feito recentemente. No início de novembro, a bandeira do grupo esteve presente no Allianz Parque, casa do time. “Foi um feito muito importante, nos deixou muito orgulhosos e nos sentimos parte do clube”, afirma João Vitor, fundador do Porcoíris.

“Eu criei o Porcoíris para cobrar algum tipo de atitude do Palmeiras em relação aos torcedores LGBT, e como um espaço onde pudéssemos conversar sobre o time e até fazermos algumas ações. Queremos nos naturalizar no meio do futebol e fazer parte da torcida.”

“Mas precisamos avançar muito mais”, aponta Onã Rudá, da Torcida LGBTricolor. “Tanto a CBF quanto as federações estaduais precisam entrar nesse circuito de ajudar a pensar quais são as ações de promoção do direito das pessoas LGBT de torcerem de fato. Os clubes também precisam ter uma postura mais transparente em relação a isso, não adianta só fazer da causa uma peça de marketing, porque o problema não será resolvido”.

Para Além das Arquibancadas

Como um brasileiro apaixonado por futebol e empenhado em discutir as questões sociais que envolvem o tema, o jornalista João Abel escreveu o livro “Bicha! Homofobia estrutural no futebol”, que retrata na capa o primeiro jogador de futebol profissional a assumir a homossexualidade: o britânico Justin Fashanu, entre os anos 1980/1990.

“As torcidas LGBTs são muito importantes porque pressionam os clubes a adotar práticas mais efetivas em relação ao assunto. Elas são as grandes responsáveis pelo fato dos times terem aberto os olhos para a homofobia”, explica João.

De acordo com um levantamento feito por ele para o site O Contra Ataque, até 2016 não existia qualquer menção dos clubes aos torcedores LGBTs. Foi só a partir de 2017, que começaram a se posicionar.

O levantamento mostra que em 2020, 17 dos 20 clubes de maiores torcidas do Brasil decidiram fazer publicações em menção ao dia 28 de junho, Dia do Orgulho LGBTQIA+. Todos também se posicionaram em 17 de maio, Dia Internacional de Luta Contra a LGBTfobia. O Vitória, se posicionou na data, mas ignorou o dia 28 de junho. Ceará e Athletico Paranaense não se posicionaram sobre o assunto.

A pesquisa foi feita com base em uma busca avançada na plataforma Tweetdeck. Refere-se, portanto, apenas às publicações feitas no Twitter. Também se limita a 20 clubes. Os critérios foram: 1. maiores torcidas, segundo um cruzamento de dados entre pesquisas recentes da Pluri Consultoria e do Datafolha; e 2. mais presença nas redes sociais. O jornalista também optou por ter sempre dois ou mais clubes de um mesmo Estado para efeito de comparação regional.

Veja o gráfico abaixo:

“As torcidas LGBT também foram responsáveis pela criação do Observatório Nacional de LGBTfobia no Futebol, em 2019. Essa é uma rede que perpassa as rivalidades dos clubes, já que estão unidos pela mesma causa. Esses grupos são pequenos e com pouca articulação, mas isso não quer dizer que são poucos torcedores LGBT, porque na verdade existem muitos”, aponta João Abel.

O jornalista também cita duas torcidas importantes nesse contexto: a Coligay, a primeira torcida LGBT do Brasil, criada por torcedores do Grêmio e que fez história entre os anos 1977 e 1983, e a Galo Queer, torcida do Atlético-MG, primeiro grupo que em 2013 se tornou ativo nas redes sociais e impulsionou a criação de vários outros.

Dentro das quadras

Os membros da comunidade LGBT querem praticar o esporte além de apenas torcer. A Ligay, liga amadora de futebol voltada para esse público, surge como um sopro de esperança nesse sentido.

Com 74 times presentes em todas as regiões do Brasil, a liga consegue organizar campeonatos nacionais e regionais com um número ilimitado de equipes.

“Temos mais times no sul e no sudeste, mas vemos um crescimento nas outras regiões também, principalmente no norte e especificamente no Pará, temos 15 times LGBT”, explica Josué Machado, presidente da organização.

Existem também 4 equipes formadas por transexuais: Meninos Bons de Bola (SP), Transversão (SP), BigTBoys (RJ) e Força Trans (PE). “Essas equipes ainda não participaram de competições diretamente organizadas pela Ligay, mas é uma das coisas que estamos tentando incluir”, aponta Josué.

A 5ª edição da Ligay teve pela primeira vez a participação do futebol feminino, com times não exclusivamente para jogadoras LBT. Segundo Josué, a Ligay ainda discute se fará todas as competições juntas. Os 12 times femininos surgiram através das equipes masculinas que já existiam na liga.

Para o jornalista João Abel, “esses times conseguem criar um ambiente mais seguro e são ótimas iniciativas que têm dado certo. A cada ano surgem mais times LGBT porque essa é uma demanda grande e muito reprimida.”