Após o caso de trombose em uma grávida que recebeu a vacina da AstraZeneca contra a Covid-19 no Rio de Janeiro, nesta semana, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) suspendeu o uso do imunizante para as gestantes. Mês passado, a vacina da Johnson & Johnson foi suspensa nos Estados Unidos, para que as agências de saúde do país investigassem seis casos relatados de um tipo raro de coágulo sanguíneo em pacientes mulheres que receberam a vacina.
Os casos de trombose relacionados às vacinas contra o novo coronavírus deixam o mundo inteiro em alerta e fazem pensar em outro fator: mulheres que tomam anticoncepcionais.
Muito se fala sobre o método contraceptivo aumentar as chances de trombose, então quer dizer que quem toma anticoncepcional e recebe o imunizante contra a Covid-19 tem mais chances de desenvolver o problema?
Para esclarecer o assunto, o site da TV Cultura entrevistou a ginecologista Rayana Campos, de 33 anos.Ela explica que os anticoncepcionais de via oral que têm estrogênio podem sim trazer um aumento de chance de trombose. No entanto, é preciso ficar atento ao nível de trombose.
“O risco de uma mulher jovem, que não tem nenhum problema de saúde e não faz uso de método contraceptivo adquirir trombose é de um a cinco casos em 10 mil. Se essa mulher resolve tomar anticoncepcional, o risco aumenta de duas a quatro vezes, ou seja, pode ir de dois a 20 casos em 10 mil – ainda é um risco pequeno frente aos benefícios, como a prevenção da gravidez, que por si só pode aumentar de 20 a 80 vezes o risco de trombose”.
A ginecologista explica que as chances de desenvolvimento de coágulo são individuais a cada paciente. Em casos de mulheres com fatores de risco que já tiveram trombose antes, que fumam ou são obesas, o risco aumenta. Por isso é feita uma avaliação do caso para saber se o anticoncepcional é o método contraceptivo mais indicado ou não.
Segundo ela, mulheres que tomam anticoncepcional têm mais riscos de desenvolver a trombose ao tomar a vacina da Covid, mas as chances são menores do que ao contrair o vírus.
“O risco-benefício da vacina vale a pena, porque a Covid-19 é uma doença altamente trombogênica, então o risco associado à vacina é muito baixo. As chances de a mulher desenvolver uma trombose são maiores ao ser contaminada com o vírus, do que se prevenir com a vacina”, explica.
Ela conta que ainda não há nenhum protocolo ou estudo específico comprovando o aumento de trombose nas mulheres que usam anticoncepcional e recebem o imunizante, mas, apesar disso, em casos de hospitalização pela Covid, vale a pena suspender o medicamento no período.
Relação da Covid-19 com a trombose
O cardiologista Augusto Uchida, de 52 anos, conta que existe uma clara associação entre fenômenos tromboembólicos e Covid-19. “A Covid-19 é uma doença tromboinflamatória, porque favorece a formação de coágulos. É um fenômeno muito complexo e gera coagulação intravascular localizada, diferente das demais infecções, em que a coagulação é generalizada. Essa é a diferença da Covid para outras doenças infecciosas”. Por conta disso, o tratamento do novo coronavírus é baseado em um tripé – anticoagulação, combater a inflamação (corticoide) e tratar eventuais infecções secundárias.
O cardiologista explica o vírus tem ação sobre o sistema de coagulação. As células do sistema imunológico participam da formação dos trombos, aumentam agregação das plaquetas e alteram fatores de coagulação.
De acordo com ele, quanto mais grave o quadro de Covid, maior a taxa de risco de coágulos em vários locais do corpo, principalmente nos pulmões, cérebro e coração.
“A prevalência de coágulos em portador de Covid gira em torno de 16%, embora alguns estudos mostrem que essa prevalência pode chegar a mais de 50%”.
Ele conta que o que ainda está sendo estudado é a reprevalência desses fenômenos. “Esses problemas de coágulos, trombose, podem ocorrer após a alta hospitalar ou a cura da Covid. Existem relatos de pessoas que apresentaram trombose meses após a alta hospitalar”.
As dúvidas da medicina, segundo ele, são: por quanto tempo deixar o anticoagulante prescrito depois da alta, estudos mostram que pelo menos 45 dias, e se vale a pena afinar o sangue do paciente com antiagregante plaquetário ou anticoagulante.
Vacinas da Covid-19
O cardiologista explica que as vacinas baseadas em adenovírus aumentam risco de trombose, como da AstraZenenca e da Johnson. “Essas vacinas geram uma forma rara de trombose, a trombocitopênica, que consome as plaquetas”. Por isso, ele conta, é preciso pesar o risco-benefício dessas vacinas, para não acometer pessoas saudáveis.
Augusto explica que durante o ensaio clínico de uma vacina são calculados dois índices: o NNT (Number needed to treat, que significa Número de pacientes Necessário a Tratar) e o NNH (Number needed to harm ou número de pacientes com determinada patologia tratados até que um deles tenha um desfecho ruim como, por exemplo, complicações terapêuticas).
“Com base nesses dois índices, foi constatado que até os 30 anos não compensa dar a vacina da AstraZeneca, devido aos riscos de desenvolvimento de coágulos. Já a vacina da Johnson, é indicada para pessoas acima dos 50 anos, porque começou a dar trombose muito mais cedo do que a AstraZeneca, então não deu para ver a dimensão do problema”, conta Augusto.
Questionado sobre a CoronaVac, ele relata que ainda não tem estudos que comprovem a predisposição desta vacina para trombose.
Leia também: EUA retiram obrigatoriedade de máscara para pessoas vacinadas contra a Covid-19; TV Cultura fecha parceria inédita com TikTok e transmite o Roda Viva na plataforma
REDES SOCIAIS