Fundação Padre Anchieta

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Quando tudo levava a crer que o dia do coronavírus dobrar a esquina em direção ao esquecimento poderia estar próximo, eis que surge uma nova cepa, a variante delta, duas vezes mais contagiosa que o Sars-Cov-2 original. Se até então se estimava que o controle da infecção pela imunidade de rebanho seria atingido quando a vacinação atingisse 70% da população mundial, agora todos os cálculos começam a ser refeitos.

Depois que vários países já haviam relaxado ou suspendido medidas sanitárias, a quantidade de novos casos voltou a subir bruscamente. Isso abalou o otimismo que vinha prevalecendo no mercado financeiro. A inversão de humor ficou clara nos resultados das principais bolsas globais, que haviam fechado a segunda semana de agosto com altas recordes e perderam todo o apetite a risco na terceira.

E o Brasil tem motivos de sobra para se preocupar. Com a variante delta, as formas mais graves de covid-19 só conseguem ser evitadas por pessoas que tenham o esquema vacinal completo – com duas doses do imunizante ou com a vacina de dose única. E a parcela da população brasileira que já está nessa condição ainda não chega a 30%.

Para Nicola Tingas, economista-chefe da Acrefi (Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento), o Brasil não está levando esse risco tão a sério como deveria.

“Nos Estados Unidos, Austrália e China, o estrago está sendo rápido. Por aqui, as internações já subiram no Rio de Janeiro, que é o epicentro da variante delta”, afirma. “Com as eleições se aproximando, os governos relaxaram as restrições antes da hora. Vai haver um aumento da exposição ao vírus e o brasileiro já não tem uma aderência adequada ao uso da máscara e outros cuidados.”

Ele prevê que essa reabertura precoce levará a uma grande piora do quadro sanitário nos próximos 2 a 3 meses. “Isso vai afetar principalmente o setor de serviços, que vinha esboçando uma recuperação neste trimestre.”

O Fed empolgou os mercados, mas está em uma cilada

Alexandre Espírito Santo, economista-chefe da Órama Investimentos, diz que a variante delta foi ignorada até poucos dias atrás porque havia uma falsa euforia dos mercados, causada pela intenção do Federal Reserve de manter os juros baixos nos Estados Unidos.

“Todo mundo ficou anestesiado. Começaram a correr risco, comprando Bolsa como se estivessem comprando renda fixa, movidos pelo FOMO [medo de ficar de fora das oportunidades, na sigla em inglês]. Aí, quando o mercado caiu, ficou todo mundo se entreolhando, tentando entender o que aconteceu”, conta.

A política estimulativa do BC norte-americano foi uma medida de socorro para uma economia debilitada pela pandemia. Mas o remédio trouxe um efeito colateral: aumento da inflação, que pode ser temporário – ou não.

“O medo do Fed é ter em 2022 um ambiente de crescimento baixo e inflação alta. Se a variante delta vem com tudo, a economia desaquece, mas a inflação sobe. Aí ele fica em uma cilada: continua injetando oxigênio [estímulos] e deixa a inflação fugir do controle? Ou não? É um dilema difícil”, resume o economista da Órama, prevendo que o processo de tapering (retirada dos estímulos) terá início entre novembro e janeiro.

Questão fiscal é vista como problema mais grave

Para os especialistas consultados pelo 6 Minutos, ainda que a variante delta seja um ponto de atenção, o que realmente está trazendo volatilidade ao mercado é o conhecido elefante na sala do Brasil: a questão fiscal.

“Alguma volatilidade a variante delta pode acrescentar, mas não é isso que está ‘pegando’ neste momento. Em uma escala de 0 a 10, eu diria que ela tem nota 3 ou 4 e os nossos problemas internos, nota 11”, ilustra João Guilherme Penteado, CEO da Apollo Investimentos.

O economista-chefe da Órama pondera que a covid-19 ainda não passou, mas o avanço da vacinação “encoraja” a população. Por isso, também para ele, a questão fiscal é mais importante que a variante delta. “Veio o Bolsa Família turbinado, depois a reforma tributária muito modificada, aí o possível calote nos precatórios. Tudo isso deixou o mercado preocupado”.

Ele afirma que o país desperdiçou a janela de oportunidade dos juros muito baixos para implantar as reformas necessárias. “Essa janela começa a se fechar e vamos pagar por isso. O cenário global de 2022 é muito mais desafiador e fazer tudo o que temos que fazer, com a política monetária global mudando, em pleno ano eleitoral, é muito mais difícil. O dólar começa a subir, isso bate na inflação e o BC precisa subir ainda mais os juros, dificultando a retomada”, diz Espírito Santo.

Subir os juros, aliás, pode acabar não surtindo o efeito desejado neste momento, justamente por causa do problema fiscal, explica Tingas. “O BC admitiu que começou com atraso uma política fiscal restritiva para conter a inflação. Mas a que juros? Não sabemos qual é o teto da inflação. Sem uma âncora fiscal, não há como segurar as expectativas. Então, o poder de fogo da política monetária é limitado.”

Aversão ao risco afetou a Bolsa

Nesse cenário de volatilidade, em que a variante delta é apenas mais um ingrediente, a Bolsa está saindo chamuscada. “O Brasil deveria estar se apreciando por estar subindo juros, mas está se depreciando, com o investidor querendo fugir do real, devido ao risco-país. Isso tem afetado a nossa percepção de valor. A Bolsa não está cara, mas pode cair ainda mais”, acredita Penteado.

As empresas da Bolsa vêm surpreendendo com uma temporada de balanços muito positivos. Mas isso não impediu as ações de sofrerem um solavanco na última semana, nos dias em que os temores globais com a variante delta provocaram maior aversão a risco.

“As empresas estão entregando resultados e estão baratas, então há um bom upside [potencial de ganho], o que está atraindo investidores estrangeiros. Mesmo assim, tudo caiu”, diz Charo Alves, especialista em renda variável da Valor Investimentos.

Ele destaca que o investidor brasileiro, por outro lado, está saindo da Bolsa, de volta à renda fixa. “Com o aumento dos juros futuros nesta semana, há títulos prefixados pagando até 12% ao ano. A diferença para o retorno da Bolsa é pequena, então o investidor não vai querer comprar o risco de mercado, ainda mais com as eleições de 2022 à vista”, diz.

Variante delta pode aumentar a pressão inflacionária

O aumento dos preços ocorre tipicamente quando há um desequilíbrio, em que a demanda supera muito a oferta dos produtos. Na pandemia, a injeção de liquidez por parte dos governos provocou um aumento no consumo. Mas, com a produção ainda interrompida, faltaram produtos no mercado, fazendo os preços subirem.

“A pandemia desorganizou a cadeia produtiva. Uma parte da alta da inflação que tivemos se deve a isso. Se tivermos um recrudescimento da pandemia e tivermos que passar por tudo aquilo de novo [o fechamento da economia], isso vai afetar a inflação, sim”, diz Espírito Santo.

Além disso, se a variante delta se alastrar e impuser mais dificuldades à população, os governos terão que recorrer novamente a medidas de socorro, que tendem a aumentar a pressão sobre os preços. “Se vier um novo lockdown, isso causará um atraso na retomada da economia e mais estímulos terão que ser lançados, o que favorece a inflação”, explica Alves.