A um mês da posse, é possível que Lula revogue os sigilos de 100 anos de Bolsonaro?
Lei prevê que os decretos possam ser derrubados; especialista diz que o uso frequente do dispositivo "enfraquece a democracia”
01/12/2022 15h32
Com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na disputa presidencial, um tema voltou à discussão nas redes sociais e entre os políticos: as decisões do presidente Jair Bolsonaro (PL) de impor sigilo de 100 anos a atos e informações pessoais de integrantes do governo.
As medidas impostas pelo atual presidente são debatidas por Lula desde o período eleitoral. O assunto era citado diversas vezes durante os debates. Em algumas oportunidades, o petista declarou que faria um "revogaço" dos decretos logo no primeiro dia do novo governo.
Agora, faltando um mês para Lula assumir o Palácio do Planalto, o assunto continua em pauta. Mas é possível que o novo governo derrube os sigilos impostos por Bolsonaro?. A professora de direito e advogada Cintia Barudi Lopes explica quais são as medidas que o petista pode seguir para revogar os atos.
O sigilo de 100 anos foi criado em 2011, junto à Lei de Acesso (LAI) à Informação, durante a gestão de Dilma Rousseff (PT), em 2011. A lei permite manter em sigilo de 100 anos informações “consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado”. Em seu art. 31º, a LAI coloca o sigilo como forma de proteger informações consideradas pessoais, relacionadas à vida privada ou à intimidade de um cidadão.
Em casos como esse, a medida prevê que o acesso aos conteúdos deve ser restrito a agentes públicos autorizados e ao cidadão ao qual a informação se refere. No entanto, a professora explica que os casos de sigilo de 100 anos são “sempre uma exceção” e “não uma regra''.
No entanto, atos políticos não podem ser colocados nas condições definidas para o sigilo. A lei apresentou prazos que podem variar de cinco a 25 anos. 100 anos é o prazo máximo previsto para a restrição.
“O sigilo é aplicado quando é imprescindível à segurança do Estado ou da sociedade. A lei vai elencar essa situação. O prazo que essas informações têm devem ser concedidas pelos órgãos públicos e as hipóteses de sigilo. Os sigilos de 100 anos estão previstos, mas é importante dizer que esse sigilo de 100 anos não se refere a informações de natureza pública”, diz a advogada.
Os órgãos do governo classificam os conteúdos de acordo com os riscos da divulgação, e podem categorizar de três formas: reservado: prazo de restrição de até 5 anos; secreto: prazo de restrição de até 15 anos; ultrassecreto: prazo de restrição de até 25 anos.
A lei estabelece, no entanto, que “a restrição de acesso à informação relativa à vida privada, honra e imagem de pessoa não poderá ser invocada com o intuito de prejudicar processo de apuração de irregularidades em que o titular das informações estiver envolvido, bem como em ações voltadas para a recuperação de fatos históricos de maior relevância”.
“Não significa que o presidente Jair Bolsonaro decretou esse sigilo ilegalmente, o sigilo está previsto na lei de acesso à informação. O que acontece é que houve uma interpretação equivocada do que seja dados pessoais. Durante a pandemia, Bolsonaro impediu o acesso a um cartão de vacinação quando foi muito discutido por ele a eficácia dos imunizantes. Será que o cartão é um dado pessoal?”, questiona a advogada.
A especialista ainda aponta outra questão. Segundo ela, o uso frequente dos sigilos de 100 anos também "enfraquece a democracia”, uma vez que a Constituição preza pela transparência das ações públicas. “Se a gente vive em Democracia, é essencial que o cidadão tenha acesso às ações estatais para fim de controle. O gestor presta contas, e isso faz parte de um regime democrático. Então quando você começa a decretar muito sigilo, enfraquece a democracia.
Cintia Barudi destaca sobre a relativização do dispositivo, uma vez que dados pessoais não fazem parte dos tópicos indicados para o sigilo.
“Tem um uso equivocado do que seja dados pessoais não que isso também seja importante. O problema é que esse direito é protegido não no mesmo nível para um cidadão comum. Não é que não exista proteção, existe a proteção, mas ela é relativizada toda vez que ele está”, completa.
É possível derrubar?
Pela lei, o presidente eleito pode liberar os documentos. A medida é permitida pela Lei de Acesso à Informação. Lula pode alterar o artigo 31 da LAI, item onde é destacado o sigilo de 100 anos, mas para isso, seria necessário apresentar um Projeto de Lei (PL), e aprovação do Congresso Nacional. Outra alternativa é uma medida provisória.
Caso opte pela Constituição, a determinação seria amparada pelo parágrafo 4º do Artigo 84, em que cita competências do presidente da República. O trecho diz que o chefe do Executivo pode "sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução".
Além disso, a advogada ainda cita outra possibilidade, que é o artigo 5º inciso 33 da constituição, o parágrafo diz que todo cidadão tem direito de ter acesso às informações de órgãos públicos, ou seja, garante o direito à informação.
“Existe uma comissão que está prevista na lei de acesso à informação, ela se chama Comissão Mista de Reavaliação de Informações, essa comissão é formada por algumas autoridades públicas, são nove ministérios e nove ministros que compõem, mais a Advocacia Geral da União e a Controladoria Geral da União. Lula já está começando a formar o ministério dele, então ele conseguiria orientar a comissão a reavaliar, por exemplo, quais sigilos foram deferidos e fazer uma reanálise”, explica Cintia Barudi.
Como se aplica o sigilo?
Autoridades de órgãos públicos precisam preparar um termo explicando o motivo e o tempo pelo qual se pretende manter uma informação em sigilo e destaca que há informações que não podem ser omitidas, aquelas que são “imprescindíveis para tutela judicial e informações que digam respeito e tragam evidências de atentado contra direitos humanos”, de acordo com o artigo. Dentro das condições, os órgãos públicos escolhem, portanto, os documentos que terão as informações restringidas.
Em 2016, por exemplo, a ex-presidente Dilma Rousseff também pediu o sigilo por 100 anos dos e-mails do funcionário da Presidência Jorge Rodrigo Messias, que ficou conhecido como “Bessias”. Ele foi mencionado na conversa gravada pela Polícia Federal entre Dilma e Lula em que foi combinada a posse do petista como ministro da Casa Civil. Messias seria o responsável por levar o termo de posse.
Em 1º de setembro, nas suas redes sociais, o presidente Bolsonaro (PL) falou sobre as imposições de sigilo. Ao ler manchetes de veículos de mídia, o chefe do Executivo afirmou que os governos petistas também pediram segredo para determinados documentos e informações, e por isso, vem determinando sigilo de 100 anos em documentos como sua carteira de vacinação.
Conheça os sigilos de Bolsonaro
- Pastores no Ministério da Educação
O sigilo mais comentado de 2022 foi sobre reuniões que o presidente teria feito com pastores investigados pela Polícia Federal, Gilmar Santos e Arilton Moura. O Gabinete de Segurança Institucional (GSI) informou que o áudio sobre o encontro coloca em risco a vida do chefe do Executivo e de sua família.
Em março, uma reportagem do jornal O Estado de São Paulo revelou um esquema de liberação de verbas do Ministério da Educação para municípios. Porém, o dinheiro só era enviado mediante negociação com os pastores, que não tinham qualquer cargo oficial.
- Pazuello no Ministério da Saúde
Em junho de 2021, o Exército negou o acesso ao processo administrativo contra Eduardo Pazuello por participar de um ato político em favor de Bolsonaro. Por ser um militar da ativa, ele não poderia participar de atos como esse.
As Forças Armadas se basearam no artigo 31, parágrafo 1º, inciso I, da LAI, que diz que o tratamento de informações pessoais deve respeitar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas.
Porém, a CGU (Controladoria-Geral da União) determinou, em 23 de agosto, que o Exército divulgasse os extratos do processo sobre participação do general na manifestação.
- Cartão de Vacinação
O presidente colocou sigilo em seu cartão de vacinação. A justificativa foi proteger dados pessoais. Ao longo de toda pandemia, ele foi questionado sobre a imunização contra a Covid-19 e sempre alegou que não tomou a vacina.
- Acesso dos filhos ao Planalto
Em julho de 2021, dados dos crachás de acesso de Carlos Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro ao Palácio do Planalto foram colocados em sigilo por 100 anos.
Na época, a revista Crusoé solicitou as informações sobre a quantidade de vezes que os filhos, que possuem cargos públicos, foram até o Planalto.
- Viagem à Rússia
O Itamaraty colocou sob sigilo por cinco anos os documentos sobre a viagem do presidente à Rússia. Os registros são referentes ao material produzido pela Embaixada do Brasil em Moscou. O presidente teve um encontro com o presidente russo Vladimir Putin uma semana antes do início do conflito contra a Ucrânia.
- Matrícula
Está em sigilo a matrícula de Laura Bolsonaro, filha mais nova do presidente, no Colégio Militar de Brasília;
- Receita Federal
O processo conhecido pelas “rachadinhas” do senador Flávio Bolsonaro também está em sigilo.
- PRF
O presidente ainda negou acesso por 100 anos aos procedimentos administrativos dos agentes envolvidos na morte de Genivaldo de Jesus Santos, ele foi morto asfixiado em uma viatura durante abordagem policial em Sergipe.
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