Temas ligados à pauta das drogas ilícitas tramitam em dois dos três Poderes atualmente. Enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) julga a constitucionalidade do artigo 28 da lei 11.343/2006, mais conhecida como “Lei de Drogas”, o Senado Federal analisa uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que visa criminalizar a posse e o porte de qualquer quantidade de qualquer droga ilícita.
Estágio atual das análises
Na Suprema Corte, o julgamento foi suspenso no início do mês passado, após o ministro Dias Toffoli pedir vista. Esse tipo de solicitação acontece quando o magistrado em questão busca realizar um estudo mais aprofundado a respeito do assunto, o que exige mais tempo.
Até o momento, oito ministros se manifestaram sobre a possível descriminalização do porte de maconha para uso pessoal. Enquanto Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber (antes de se aposentar) foram favoráveis, André Mendonça, Cristiano Zanin e Nunes Marques foram contrários.
Já no Senado, a chamada “PEC das Drogas” passou pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Na sequência, o texto deve ser debatido e, posteriormente, votado no plenário.
Drogas podem ser liberadas?
Especialista em direito penal econômico pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e sócio do escritório Araneo Advogados, Luis Fernando Ruff esclarece que o STF “não está discutindo a legalização de qualquer droga, tarefa essa que de fato competiria ao Parlamento”. Ainda de acordo com o advogado criminalista, a eventual “queda de braço” entre os poderes Judiciário e Legislativo “tem um pano de fundo muito mais político-social do que de extrapolação de competências”.
Para a advogada Janaina Ferreira, o cenário atual deve-se a uma “lacuna existente” na lei de 2006. “Ainda que se diga que o que pretende o STF é criar algo que não existe na Lei, é dever da Corte uniformizar a aplicação da lei de forma igualitária para todos os cidadãos, enquanto não houver lei infraconstitucional que defina qual seria a quantidade de drogas para que o cidadão possa ser considerado usuário”, pontua a bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-graduada em direito penal empresarial pela FGV.
Segundo os especialistas, as tensões (ligadas ao tema destacado) acerca dos dois poderes podem ter sido originadas pela falta do estabelecimento de um critério objetivo que diferencie usuários de traficantes na Lei de Drogas. De acordo com Luis, há uma “falta de clareza da lei em definir que usuário não vai para a prisão, mas não esclarecer justamente qual seria esse limite para consumo pessoal”. Janaina, por sua vez, ressalta que a “midiatização” em torno da pauta pode ter impulsionado os parlamentares a darem “uma satisfação para o eleitor às pressas”.
Possíveis excessos
Ambos também concordam que os senadores não ultrapassam seus limites constitucionais. Para o advogado, a Casa "não está ultrapassando a sua função, já que é um dos legitimados a propor emendas constitucionais, desde que siga os critérios corretos de votação".
Para a advogada, as PECs não fogem da competência do Legislativo. Entretanto, a criminalização do uso "pode ser entendido como uma violação à privacidade e à intimidade do cidadão, consideradas como garantias e direitos individuais" pela Constituição Federal.
Desproporcionalidade e saúde pública
Para Luis, "a fixação de um critério objetivo poderá provocar uma redução no encarceramento de massa, mas sobretudo a diminuição de arbitrariedades policiais". Para o advogado, a falta de um critério objetivo dá "margem para maior discricionariedade da ação policial e consequente discriminação com base na cor da pele e das condições sociais e econômicas do sujeito flagrado com maconha, pouco importando que as circunstâncias do fato que não indiquem atividade de traficância".
Caso a resolução seja aprovada pelo STF, os órgãos responsáveis poderão "aplicar a lei de uma forma muito mais taxativa e proporcional a cada caso concreto, com as respectivas consequências", acredita o profissional.
"A fixação de uma quantidade, amparada em um estudo, é um passo importante dado para a discussão de uma questão de saúde pública, incluindo as condições sub humanas que se encontram os presídios brasileiros", afirma Janaina.
"O tratamento dado para pessoas de baixa escolaridade, jovens e pretos é drasticamente diferente para aquele que tem superior completo, acima de 40 anos e brancos", conclui a advogada.
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