Muitas pessoas têm espalhado nas redes sociais que existe uma ligação entre um tipo misterioso hepatite em crianças e a vacina contra a covid. No entanto, as agências de saúde que monitoram a situação no Reino Unido alertam que esta afirmação é falsa.
As crianças afetadas pelo novo surto de hepatite no Reino Unido tinham menos de cinco anos de idade e, portanto, não puderam receber as doses contra o coronavírus.
Mas mesmo esse fato não tem impedido as diferentes postagens nas redes sociais sobre essa ligação falsa — além de outras teorias sugerindo que a hepatite possa ter sido causada pelas quarentenas ou pela reabertura de escolas.
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Então, afinal, quais são os fatos que conhecemos sobre os novos casos de hepatite até agora?
Até 21 de abril de 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) havia registrado pelo menos 169 casos dessa hepatite que segue sem explicação científica em crianças em 11 países desde janeiro.
Destes 169, 114 estavam no Reino Unido. Desde então o governo britânico confirmou mais casos no país. Até sábado (30/4), 145 crianças haviam contraído a doença, que é um inflamação do fígado.
Nenhum dos cinco vírus específicos que geralmente causam hepatite (classificados de A, B, C, D e E) foi encontrado. Mas a maioria das crianças testadas teve resultado positivo para um tipo de adenovírus — que é uma família comum de infecções responsáveis por doenças que vão de resfriados a infecções nos olhos.
O adenovírus específico detectado nos testes causa problemas estomacais.
Meera Chand, diretora de infecções clínicas e emergentes da Agência de Segurança da Saúde do Reino Unido (UKHSA, na sigla em inglês), disse que suas pesquisas indicam "cada vez mais" que o aumento nos casos de hepatite está ligado à infecção por adenovírus.
"No entanto, estamos investigando minuciosamente outras causas potenciais", disse ela.
Vacina contra covid 'definitivamente' não é a causa
A agência britânica de saúde UKHSA diz que a vacina contra covid é a única coisa que pode ser descartada definitivamente no momento — porque nenhuma das crianças afetadas recebeu doses dela.
No entanto, no Twitter, Reddit, Facebook e Telegram, a BBC encontrou falsas alegações de que esses casos de hepatite foram causados pela vacina da covid.
Um post no Reddit destacou o fato de que um adenovírus é usado nas vacinas contra covid da AstraZeneca e Johnson & Johnson. Mas os adenovírus usados nas vacinas são inofensivos e foram modificados para que não possam se replicar ou causar infecção.
Eles são adenovírus completamente diferentes dos encontrados nas crianças com hepatite. Além disso, essas vacinas mencionadas estão sendo restritas ao uso em pessoas com 40 anos ou mais no Reino Unido.
A idade média das crianças que desenvolvem hepatite é três anos — uma faixa etária que não pode receber nenhuma das vacinas contra a covid no Reino Unido, onde a maioria dos casos da nova hepatite foi registrada.
Um artigo de um site conhecido por conter informações falsas e enganosas sobre covid, alegando que a vacina da Pfizer era a culpada, foi compartilhado no Facebook em inglês, espanhol, italiano, chinês e norueguês.
O artigo cita um estudo que também foi usado como base de alegações falsas sobre as vacinas e a fertilidade.
A covid causa a nova hepatite?
Alguns dizem que a decisão de enviar as crianças de volta às escolas sem máscara é a causa da hepatite.
Ao contrário da teoria de que a vacina causa hepatite, que está definitivamente descartada, a hipótese de que uma infecção por covid possa ter algum papel nos casos de hepatite ainda está sendo investigada.
Pequenos estudos encontraram casos incomuns de hepatite em poucas crianças que já haviam testado positivo para covid em Israel, Brasil, Índia e EUA.
Mas isso não comprova que a covid teve qualquer relação com a doença hepática.
O professor Anil Dhawan, especialista em fígado do King's College Hospital London, que está tratando algumas dessas crianças, diz que no momento não acha que a covid esteja por trás desses casos.
"Porque se você olhar para o número de pacientes, apenas 16% testaram positivo para covid, e essa [hepatite] não é característica da covid", disse ele.
A hepatite é uma reação conhecida, ainda que muito rara, aos adenovírus, diz o especialista.
A culpa é das quarentenas?
Uma linha de investigação é que as crianças em geral não foram expostas a diversas infecções nos primeiros anos de vida por causa da pandemia. Agora elas podem estar tendo reações exageradas ao adenovírus por causa disso.
Alguns dizem que isso provaria que as quarentenas são a causa do surto.
Mas isso ainda é uma grande incógnita.
Conor Meehan, professor de Microbiologia na Nottingham Trent University, concorda que é possível que não ser exposto a tantos vírus nos primeiros meses e anos de vida possa ter deixado o sistema imunológico dessas crianças mais vulnerável.
"A exposição que se tem aos vírus é importante para construir o sistema imunológico e acontece principalmente nos primeiros cinco anos de vida", explica Meehan.
"A maioria desses casos são em crianças com menos de cinco anos, então elas definitivamente não tiveram a exposição que outras crianças mais velhas teriam", diz ele.
Isso torna possível que elas possam ter uma reação mais forte a uma infecção por adenovírus.
Mas, "esperamos que essa reação mais forte ainda seja apenas versões piores do que normalmente veríamos". Em outras palavras: vômitos e diarreia graves, mas não hepatite.
Essa reação extremamente incomum indica que há algo mais acontecendo, diz Meehan, como um vírus mutante ou uma interação entre dois vírus.
No entanto, mais pesquisas são necessárias antes que possamos dizer com certeza o que está causando esses casos ainda muito raros.
Procurando respostas
Eventos que são angustiantes e inexplicáveis criam um terreno fértil para o viés de confirmação — quando as pessoas procuram informações para apoiar o que já acreditam — de acordo com a professora Gina Neff, pesquisadora do Oxford Internet Institute.
Há muita incerteza em relação a esse novo surto de hepatite e, compreensivelmente, as pessoas estão procurando respostas, diz ela.
"Quando pesquisamos online, sentimos que estamos olhando para uma biblioteca e todas as informações do mundo estão disponíveis para nós", explica ela.
Mas Neff argumenta que os resultados de nossas pesquisas online são afetados pelo que pesquisamos antes e pelos algoritmos usados pelas empresas de pesquisa e mídia social.
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