Nas últimas semanas, as primeiras vacinas atualizadas contra a covid-19, que oferecem uma maior proteção contra as variantes mais recentes do coronavírus, começaram a ser aprovadas nos Estados Unidos, no Canadá, na União Europeia e no Reino Unido.
Não há, porém, qualquer previsão oficial de quando elas devem chegar ao Brasil e entrar na campanha de imunização do país.
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Fontes ouvidas pela BBC News Brasil que participam de comitês sobre vacinação dentro do Ministério da Saúde afirmam que o assunto não entrou em pauta nas últimas reuniões abertas sobre o assunto.
"Não conheço nenhuma iniciativa governamental para comprar vacinas atualizadas contra a covid", informa o médico José Cassio de Moraes, professor titular da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e referência nacional em campanhas de imunização.
"Até onde sei, essa discussão ainda não foi feita na Câmara Técnica de Assessoramento em Imunizações (CTAI), que reúne representantes do governo e de diversas entidades de saúde", confirma a médica Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
"Nós, enquanto profissionais de saúde, ficamos bastante aflitos e torcendo para que as conversas estejam acontecendo em outras instâncias internas do ministério. O ano de 2023 está batendo à porta e precisávamos que o planejamento das próximas etapas da campanha já estivesse acontecendo agora", diz a especialista.
"Se essas conversas não estiverem em curso, é algo bem preocupante", completa.
A Pfizer, farmacêutica responsável por desenvolver uma das versões atualizadas já aprovada no exterior, fez um pedido de autorização emergencial do novo produto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Procurada pela BBC News Brasil, a Anvisa respondeu que "o pedido de autorização para a vacina bivalente da Pfizer está em análise e ainda dentro do prazo previsto".
Já a Pfizer enviou uma nota de esclarecimentos dizendo que "o contrato atualmente vigente de fornecimento da vacina contra a covid-19 ao Brasil inclui a entrega de potenciais vacinas adaptadas e/ou para diferentes faixas etárias".
"As estimativas de entrega da vacina bivalente dependerão das análises regulatórias e de definições junto ao Ministério da Saúde", informa o texto.
O Ministério da Saúde, por sua vez, não remeteu nenhuma resposta sobre a questão até a publicação desta reportagem.
Dá tempo?
Se uma futura campanha de vacinação contra a covid seguir os mesmos moldes do que acontece todos os anos com a gripe, a tendência é que os grupos prioritários (como idosos, gestantes e profissionais da saúde) recebam as doses bivalentes a partir de março e abril do ano que vem, no início do outono.
Apesar de termos cerca de seis meses até lá, o tempo pode não ser suficiente para completar todas as etapas envolvidas nesse trabalho, avaliam os especialistas.
"Não estamos nada tranquilos em relação a esse prazo. A atualização das doses é algo que deveria ser discutido agora e, se o Brasil não tiver começado a fazer isso, já está bem atrasado", alerta Ballalai.
"Para ser bem feita, uma campanha de vacinação precisa de um planejamento de, no mínimo, seis meses", calcula Moraes.
"Esse é o tempo necessário para ter a decisão política, verificar a disponibilidade de estoque com os laboratórios, negociar o preço, acontecer a entrega, fazer a distribuição…", detalha o médico.
"E, até onde eu sei, nada disso está acontecendo agora", complementa.
Por ora, a estratégia do país tem sido indicar uma quarta dose (ou uma segunda dose de reforço) para todo mundo com mais de 35 ou 40 anos (a depender de cada cidade) e para os profissionais de saúde.
A aplicação acontece num intervalo de quatro meses após a terceira dose.
"E é importante esclarecer que as vacinas disponíveis atualmente continuam a funcionar relativamente bem, especialmente contra casos graves, e todo mundo deve completar o esquema com três ou quatro doses para ficar mais protegido", pontua Ballalai.
Segundo o portal CoronavírusBra1, que reúne dados das Secretarias Estaduais de Saúde, apenas 55% da população brasileira recebeu a terceira dose da vacina que resguarda contra a covid-19.
Entenda a seguir como funcionam as vacinas atualizadas e como podem contribuir para que os números da covid-19 sigam em queda pelos próximos meses.
Proteção atualizada
Conforme o coronavírus se espalhou mundo afora, ele ganhou aos poucos novas versões, conhecidas entre os cientistas como variantes.
Durante uma infecção, o patógeno invade as nossas células e usa esse maquinário biológico para criar novas cópias de si mesmo.
Só que esse processo nem sempre é 100% preciso: algumas dessas cópias virais podem sair com defeitos e alterações no material genético.
Algumas dessas mutações trazem vantagens ao vírus, que se torna mais transmissível, consegue escapar da imunidade prévia ou ganha uma agressividade maior.
Foi isso o que aconteceu com as variantes alfa, beta, gama, delta e, mais recentemente, a ômicron e suas "herdeiras", como a BA.1, BA.2, BA.4 e BA.5.
A questão é que a primeira leva de vacinas aprovadas a partir do final de 2020 utiliza como referência o vírus "original", detectado pela primeira vez em Wuhan, na China.
"Ou seja: o vírus evoluiu, mas as vacinas não", resume a médica epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabin de Vacinas, nos Estados Unidos.
"Apesar de ainda apresentarem certa proteção contra a doença grave, a efetividade das vacinas originais contra infecção para a ômicron diminuiu muito. Por isso a necessidade de vacinas atualizadas, tendo como alvo as sequências das novas variantes", completa.
Em outras palavras, a metamorfose viral significa que, com o passar do tempo e o surgimento das tais variantes, os imunizantes sofrem uma redução na capacidade de nos proteger contra a versão do coronavírus em circulação naquele momento e os efeitos que ele pode causar no organismo.
É a partir daí que surge a necessidade de atualizar os produtos: as doses têm a formulação modificada para que sejam mais próximas da variante do momento.
Assim, o sistema imunológico fica mais preparado para reconhecer e lidar com as versões recentes do patógeno que circulam mundo afora.
Esse raciocínio é aplicado há décadas na vacinação contra a gripe: como as cepas do vírus influenza se modificam, a campanha de cada ano usa formulações diferentes, de acordo com o tipo de agente mais comum naquele momento.
"A aprovação das novas vacinas se deu baseada em dados de estudos sobre a BA.1 em seres humanos e em testes da BA.4 e BA.5 em camundongos. Com a liberação dessas versões e o início do uso delas, mais informações ficarão disponíveis em breve", analisa Garrett.
"Quanto à segurança, não há nenhuma razão que nos leve a pensar que as doses utilizadas seriam diferentes do ótimo perfil já estabelecido dessas vacinas de mRNA", conclui a médica.
Uma pesquisa publicada em 16 de setembro no periódico científico The New England Journal of Medicine detalha os resultados obtidos com a nova versão do produto da farmacêutica Moderna.
Segundo o artigo, a "vacina bivalente induziu uma produção de anticorpos neutralizantes superior ao observado com o imunizante usado ate então, sem nenhuma preocupação evidente de segurança".
Nos estudos que serviram de base para aprovação no exterior, as atualizações de Pfizer e Moderna estiveram relacionadas com efeitos colaterais simples e fáceis de manejar, como dor, vermelhidão e inchaço no local da injeção, além de cansaço e febre.
Nova leva
A partir do segundo semestre de 2022, duas farmacêuticas fizeram algumas modificações importantes nas vacinas contra a covid-19: a Pfizer, que já foi citada e é usada no Brasil, e a Moderna, que ainda não chegou ao país.
Ambas são baseadas na tecnologia do mRNA, em que o imunizante carrega uma fita de material genético capaz de instruir as próprias células do nosso corpo a fabricar a proteína S (de spike, ou espícula em português) encontrada na superfície do coronavírus.
Esse material gera uma reação do sistema imune, que fica mais preparado para lidar com o patógeno caso ele tente invadir o organismo.
E qual é a grande diferença dessas novas formulações de Pfizer e Moderna?
Elas são bivalentes. Isso significa que as duas trazem instruções genéticas relativas ao vírus original, de Wuhan, e também às variantes mais recentes, como a BA.1, a BA.4 ou a BA.5.
Assim, é possível gerar uma resposta imune mais ampla, em que as células de defesa conseguem reconhecer e reagir a um espectro maior de versões do patógeno.
Essa nova leva de imunizantes já foi aprovada em lugares como Reino Unido, União Europeia, Estados Unidos e Canadá.
Nesses locais, a estratégia é oferecê-los a partir do outono no Hemisfério Norte para evitar uma nova onda de casos, hospitalizações e mortes por covid durante a temporada de frio, quando as pessoas se aglomeram mais em ambientes fechados — o que naturalmente facilita a transmissão do vírus.
Na maioria dos lugares, essa dose de reforço atualizada só será dada a princípio para alguns públicos específicos, que correm risco elevado de complicações ou estão mais expostos, como profissionais de saúde, trabalhadores de asilos e casas de repouso, gestantes, idosos, portadores de doenças crônicas e imunossuprimidos.
E o Brasil?
Por ora, as únicas notícias sobre a possível chegada de doses bivalentes ao país vêm de Pfizer e Anvisa: a farmacêutica pediu a aprovação do novo produto à agência regulatória, e uma resposta deve ser divulgada nas próximas semanas.
"Não há nenhuma razão para que o Brasil deixe de incorporar essas vacinas novas. O país tem recursos suficientes para isso", diz Garrett.
O Ministério da Saúde, que é responsável por coordenar as campanhas de vacinação no país, não fez até agora qualquer anúncio sobre as próximas etapas, ou se os produtos atualizados serão aplicados na população ou em alguns públicos específicos.
O governo mantém o CTAI (Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização da Covid-19), que é uma câmara formada por técnicos do ministério e especialistas convidados de sociedades e associações médicas.
Havia, inclusive, uma câmara exclusiva para discutir semanalmente a vacinação contra a covid — mas esse grupo não se reúne desde maio.
"O comitê de vacinação específico para covid-19 foi extinto e não tivemos mais reuniões. Não se ouve qualquer discussão sobre uma eventual atualização dos imunizantes", conta Moraes.
De fato, o último evento do CTAI sobre covid, ao menos segundo os registros no site do ministério, aconteceu em 27 de maio.
Nas pautas e nas atas de reunião disponibilizadas online, há uma única menção aos imunizantes modificados.
Na ata de 28 de janeiro de 2022, é possível ler que os especialistas "destacaram a perspectiva da atualização das vacinas, considerando a possibilidade de outras formulações que contemplem as variantes [do coronavírus]".
Ballalai esclarece que as discussões sobre a vacina contra a covid estão acontecendo agora num CTAI mais amplo, que abrange também os outros imunizantes disponibilizados na rede pública.
"Não participei da última reunião, realizada há três semanas, mas nas anteriores não houve menção ao uso das doses bivalentes contra a covid", afirma.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62913349
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