Coluna Hábito de Quadrinhos

Por que há autores com vergonha de assumir que suas histórias são de super-heróis

Acontece bastante em filmes e séries de TV, mas também em quadrinhos. Repare: há autores que têm vergonha de assumirem que suas obras são de super-heróis


23/11/2020 16h42

“Não, não é um filme de super-heróis. É um filme de terror, com alguns personagens que por acaso têm poderes.”

“Não, não é um gibi de super-heróis. Primeiro porque o protagonista é um vilão. Segundo porque na verdade é um misto de aventura com suspense.”

“É um drama sobre o fardo que é ter poderes sobre-humanos.”

Recolhi essas frases de entrevistas de três trabalhos completamente diferentes. Percebi essa “vergonha” que alguns autores têm quando gravava o podcast Cinema de Segunda, que aborda filmes B – ou seja, de baixo orçamento, mas divertidos. E, claro, há muitos filmes B do gênero de super-heróis – por mais que eles finjam ser outra coisa.

Eu faço um paralelo com o faroeste. Quando este gênero surgiu, eram histórias de aventura que se passavam no Velho Oeste americano. Criou-se uma linguagem própria: os pistoleiros solitários, o clima seco, a trilha sonora... Hoje, ninguém diz “vou assistir a uma aventura que por acaso envolve o povoamento da costa ocidental dos Estados Unidos e tem emocionantes cenas de tiroteios”. Vou ver um faroeste e ponto (há também quem diga “filmes de bangue-bangue”). E qual o problema? Nenhum.

“O Homem que Matou o Facínora” é um baita filme. “Três Homens em Conflito”, idem. “Bravura Indômita” (as duas versões), “Sete Homens e Um Destino”, “Por Um Punhado de Dólares”... Não vejo seus autores (diretores ou elenco) dizendo algo como “é um filme bom, apesar de ser um faroeste”. Mas ouço (e leio) coisa parecida com, por exemplo, as incríveis séries de TV “Watchmen”, “Legião” e “Patrulha do Destino”. “Nossa, são incríveis, nem parecem de super-heróis!”. Ou, pior: “não são de super-heróis!”.

Então... Sim, são super-heróis. E são séries muito acima da média. As pessoas têm superpoderes, uniformes, codinomes, identidades secretas (ou algo parecido). Não dá para fingir que é outra coisa.

Há alguns anos, li um texto do Brad Meltzer, um romancista que a DC convidou para escrever uma minissérie. E ele dizia algo nesse sentido. “Nós parecemos os autores de livros policiais da primeira metade do século 20, que tinham vergonha de assumirem que as histórias que escreviam eram policiais. Não temos de ter vergonha de escrever quadrinhos. Não temos de ter vergonha de escrever HQs de super-heróis.” Cito de cabeça, mas você entendeu o espírito.

Quando o gênero dos super-heróis surgiu, ele não veio do nada. Surgiu como sum subgênero de aventura, com suas histórias absorvendo várias características que já existiam antes e desenvolvendo novas com o passar do tempo. Exatamente o que aconteceu com o gênero do faroeste.

Vou contar uma historinha sobre o quanto este gênero está crescendo. A premiação Critics' Choice Movie Awards existe desde 1995, concedida anualmente pela maior associação de críticos de cinema dos Estados Unidos e do Canadá. Há apenas quatro dias, eles anunciaram o “Critics Choice Super Awards”, uma premiação especializada – reparou no “Super” do nome? O foco dela são produções de super-herói (sim, é o primeiro gênero listado no site oficial deles), ficção científica/fantasia, terror, ação e animação.

No “Critics Choice Super Awards”, há seis categorias só para super-heróis: melhor filme, melhor ator em filme, melhor atriz em filme, melhor série, melhor ator em série e melhor atriz em série.

Ninguém é obrigado a gostar de gênero algum. Eu, por exemplo, evito comédias românticas. Mesmo assim, às vezes assisto. Gosto de algumas – “(500) Dias com Ela”, “Yesterday” e “Casal Improvável”, por exemplo. Na maioria dos casos, não. Isso quer dizer que comédia romântica é um gênero ruim? Não. Isso quer dizer que toda comédia romântica é ruim? Não. Quer dizer que eu não gosto desse gênero.

Há obras incríveis de super-heróis em qualquer meio. E há algumas que não só não têm vergonha disso como prestam homenagens ao gênero. Se você gosta de filmes de super-heróis e quer ler bons quadrinhos do gênero, talvez seja difícil começar pelos personagens mais famosos porque eles carregam décadas de cronologia. (Sabe quantos filhos o Wolverine tem? Dez. Sabe quantas vezes ele já morreu e ressuscitou? Fico até com vergonha de te contar.)

Então, vou te recomendar duas obras de super-heróis que são excelentes e que não precisam que você tenha de consultar a Wikipedia a cada quatro páginas:

  • Astro City”, de Kurt Busiek, Brent Anderson e Alex Ross
  • Powers”, de Brian Michael Bendis e Michael Avon Oeming

E, se você gosta de séries, recomendo as já citadas “Watchmen”, “Patrulha do Destino” e “Legião”. Não vou te dizer que “nem parecem de super-heróis” – porque elas são de super-heróis. Na minha opinião, elas têm uma qualidade tão acima da média que você vai gostar mesmo que o gênero dos super-heróis não te atraia.

Pedro Cirne é formado em jornalismo, desenhos e histórias em quadrinhos. Nascido e criado em São Paulo, é filho de um físico luso-angolano e de uma jornalista paulistana.

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