Fundação Padre Anchieta

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Vi uma matéria muito interessante sobre biblioterapia no Estadão. Não conhecia o termo, mas presumi que fosse algo que aliasse a leitura (um dos meus hobbies) a terapia – claro, orientado por um profissional.

É por aí. A reportagem abre assim: “Biblioterapia: uma forma de terapia que consiste na conversa entre o paciente e o terapeuta acerca de questões e problemas incômodos e para qual ele busca ajuda, ou uma resposta, ou um caminho. Não em farmácias, mas dentro de um livro”.

Achei muito interessante. Já havia lido uma vez um artigo de um terapeuta em que ele dizia que a leitura de ficção é um exercício de empatia: você acaba se colocando no lugar dos personagens.

Estes são dois conceitos que me atraem: a empatia e a terapia. Pensando aqui com meus botões, fica claro para mim que a leitura (de quadrinhos ou de livros) tem vários efeitos em mim. O primeiro, mas óbvio, é o prazer de ler – trata-se de uma diversão. Eu nunca havia pensado nisso antes, mas a empatia acaba sendo o segundo: eu acabo, de uma maneira ou de outra, me colocando no lugar do personagem. Às vezes, vira identificação: “putz, eu teria cometido esta mesma bobagem...”.

O terceiro efeito, claro, é o aprendizado. Li algumas obras que me foram aulas. “Maus”, por exemplo, teve um efeito tão forte em mim que tive pesadelos enquanto lia. E foi a primeira HQ que eu tive vontade de compartilhar, que achei que faria bem às pessoas ao meu redor que lessem. Ofereci para meu pai, minha mãe, meu irmão...

O quarto efeito (e vou parar por aqui, senão esta coluna ficará enorme) é justamente algo que eu não sabia definir, mas que pode ter um efeito parecido com a biblioterapia. Foram obras que tiveram um efeito talvez terapêutico em mim, que mexeram com questões como autoestima, relação com o próximo etc. Fizeram-me refletir.

Quando li sobre a biblioterapia, achei o tema bem interessante. Eu não seria arrogante de escrever uma coluna sobre biblioterapia em que eu recomendasse livros que poderiam ajudar os leitores – primeiro porque não sou psicólogo, terapeuta, psiquiatra... Segundo, porque esses livros não existem. Não há uma lista única que faça bem para todo mundo. Cada pessoa tem suas questões internas.

Mas pensei em escrever sobre os quadrinhos que me fizeram refletir e que considero ótimas leituras. São obras que não vão provocar no leitor as epifanias que causaram em meus neurônios, mas que são ótimos exemplares de quadrinhos. E esta troca – de sugerir e receber sugestões – torna, para mim, a leitura (de HQs ou livros) ainda mais agradável... E reflexiva.

Azul é a Cor mais Quente”, de Julie Maroh

Quando comecei a assistir a animação “Up – Altas Aventuras”, tive um acesso de choro e acabei pausando a exibição. Posso dar spoiler porque é logo no início: um homem enviúva. A tristeza de perder o amor da sua vida mexeu comigo.

O drama francês “Azul é a Cor mais Quente” começa com uma jovem lamentando a morte do amor da vida dela. Eram pessoas tão diferentes em tudo e seu relacionamento foi tão intenso... Bem escrito, profundo, este livro vai muito além do “carpe diem” (aproveite a vida). É uma história sobre relacionamentos, diferenças, tristezas e... sim, e sobre aproveitarmos a presença de quem amamos.


Gen”, de Keiji Nakazawa

O japonês Keiji Nakazawa de fato sobreviveu à explosão da bomba atômica lançada contra seu país – ele escreveu uma curta HQ autobiográfica sobre isso, “I Saw It”, inédita aqui no Brasil. Mas é em sua obra de ficção “Gen” que ele se aprofunda sobre o tema. Não se deixe amedrontar pelo tamanho (são dez volumes): é uma HQ dramática, humana, poderosíssima. Começa um bom tempo antes da explosão da bomba e termina muito tempo depois, nos mostrando o ponto de vista de um japonês normal do contexto da Guerra – e das suas trágicas consequências.


Nos Olhos de Quem Vê“, de Helô D'Angelo

Obra nacional recente, foi lançada no final do ano passado, esta HQ traz uma reflexão em primeira pessoa sobre autoestima e a nossa (aparentemente eterna) preocupação com nossa imagem física. Será que nos preocupamos demais? Esta busca pela “forma ideal” pode chegar ao ponto de nos prejudicar? Até que ponto é emocionalmente saudável a nossa relação com... nós mesmos?


Mas Ele Diz que me Ama”, de Rosalind B. Penfold

Se o livro acima é sobre nós mesmos, este é sobre o relacionamento com o próximo. Antes que o conceito “relacionamento tóxico” passasse a nos ser mais familiar, a mulher que assina como Rosalind (ela usou um pseudônimo) nos trouxe uma história autobiográfica fortíssima a respeito deste tema. Ela nos mostra a enorme dificuldade que é necessária para perceber que está sendo tratada como lixo – e a imensa força para tentar romper com este ciclo.


Maus”, de Art Spiegelman

Já citei esta obra acima... “Maus” é um livro interessantíssimo, forte, triste – e real. Spiegelman conta, com brilhantismo, duas histórias ao mesmo tempo: no passado, como o pai dele sobreviveu aos nazistas e seus campos de concentração; no presente, como esta tragédia ainda faz parte da alma dele. Uma HQ incrível.


Quanta Bondade”, de Quino

Uma vez, umas duas décadas atrás, o Otavio Frias Filho escreveu na Folha uma coluna inteira inspirada em um único cartum do Quino. Muito conhecido pelo seu trabalho com a Mafalda, este brilhante argentino nos proporcionou uma enorme série de cartuns que, claro, eram hilários, mas muito além disso. Quino sabia usar seu traço versátil para retratar uma sociedade desigual e injusta, e esta vasta obra dele está distribuída por vários livros. Qualquer um caberia perfeitamente aqui, escolhi “Quanta Bondade” apenas por ser um dos meus favoritos – além, claro da ótima capa.


V de Vingança”, de Alan Moore e David Lloyd

O último quadrinho desta lista, que está em ordem alfabética, destoa dos demais. É o único que é uma fantasia completa: trata-se de uma fantasia distópica em que os extremistas autoritárias dominaram a Inglaterra, extirpando negros, judeus, gays, islâmicos etc. Por trás das cenas de ação e fantasia, há uma potente reflexão sobre a sociedade – e nosso lugar nela.