Fundação Padre Anchieta

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Se você gosta de quadrinhos, provavelmente conhece Alan Moore. Não falo aqui do herói espacial das HQs Alan Moore, que viajou à Lua e foi criado em 1952, mas do brilhante roteirista britânico Alan Moore, que nasceu em 1953 e criou, entre muitos outras joias, “Watchmen”, “V de Vingança”, “Promethea”, “Miracleman” e a impressionante revitalização do Monstro do Pântano. Ele também criou “A Piada Mortal”, uma das melhores histórias do Batman de todos os tempos, o estupendo “Do Inferno” e a saga “A Liga Extraordinária”. Ou seja, quando falamos de artistas da nona arte, este cara está no panteão.

Pois bem. Há duas décadas, Moore lançou um livro, ainda inédito no Brasil, sobre como escrever roteiros para quadrinhos: “Alan Moore’s Writing for Comics” (editora Avatar). Não vou tentar resumir o livro, mas separei aqui algumas dicas que ele considerou importante apontar – e explicar. Acho interessante não só para quem escreve, mas também para quem lê: isso pode ajudar a prestar atenção em alguns pontos da obra que tem em mãos e curtir ainda mais a sua leitura.

Ritmo e fluência

Esta parece uma dica fácil para quem lê, mas difícil para quem escreve.

Para nós, leitores, como está sendo a fluência da leitura? Os acontecimentos têm ritmo, isto é, conseguimos acompanhar o que está acontecendo? Ou é tudo muito parado, páginas e páginas morosas que resultam em tédio? Ou um monte de coisa acontecendo, 500 ações por quadro, tudo atropelado, fazendo com que absorvamos só um pouco do que é passado?

E como é a narrativa? Somos envolvidos na leitura ou há algo travando a nossa experiência? Uma coisa que, para mim, me tira completamente de uma HQ é o abuso da descrição. Palavras e mais palavras e mais palavras apertadas em um recordatório enorme e descrevendo o que está ilustrado exatamente no mesmo quadro.

Vou dar um exemplo de narrativa bem feita e um contraexemplo. O exemplo são as narrativas de Brian Michael Bendis (o encontro logo acima entre Wilson Fisk, o Rei do Crime, e o Homem-Aranha é cortesia dele). Ele consegue revezar cenas sem ação alguma, com diálogos gigantescos, com pancadaria de páginas e páginas quase sem balões – mas sempre mantendo o leitor atento, ora sorrindo com o diálogo humano ou até engraçado, ora de olhos arregalados com a intensidade da ação.

O contraexemplo é que este é um problema comum a adaptações de livros, onde o autor quer aproveitar a bela prosa (ou poesia) do autor original sem perceber que está colocando pedras no caminho do leitor. O texto, incrível na obra que foi adaptada, acaba sendo desperdiçado quando atravanca o ritmo e a leitura em uma obra de arte que pode parecer literatura, mas não é.

Construção de mundos

Esta é minha dica favorita. Cada personagem que entra em cena não pode estar lá aleatoriamente, deve ter uma história por trás. Um nome, uma aparência, qualidades, defeitos, características que o distingam - um maneirismo ao falar, um hábito, uma mania, um hobby.

Quanto mais o autor pensar na complexidade do personagem, mais interessante ele será para o leitor, por mais curta que seja a sua participação.

Para mim, um bom exemplo disso fora dos quadrinhos é a série “Star Trek: Discovery”. Cada um dos muitos tripulantes da nave tem uma história, mesmo que isto não seja explorado no episódio que você está vendo – por vezes, nem naquela temporada. 

Detalhes

Moore dedica um capítulo inteiro a enredo e roteiro. Às vezes, conta ele, a base da história é simples: um detetive colhendo pistas para desvendar a identidade de um assassino, um conto curto ambientado em outro planeta. O que conta, claro, são os detalhes.

Aqui vou dar um exemplo, que Moore me perdoe, mas do próprio Alan Moore. Há uma história do Monstro do Pântano em que o protagonista está exilado em outro planeta, desabitado por criaturas inteligentes. O que temos é apenas um protagonista lutando contra o tédio, exceto... Pelos detalhes.

Primeiro, tudo neste planeta é azul. Segundo, o comportamento: a maneira como ele se porta neste exílio. Terceiro, como o Monstro do Pântano se recorda da sua vida antes de ser exilado, e a maneira precisa e incrível como retrata aqueles que conviviam com ele. Se Moore não tivesse trabalhando de maneira excelente na construção de mundos (vide item acima) dos coadjuvantes nesta revista mensal, esta história não teria sido tão brilhante.

Esta aventura, “Meu Paraíso Azul”, já saiu quatro vezes no Brasil – a mais recente em “Monstro do Pântano Por Alan Moore - Edição Absoluta n° 3”, do ano passado. Também é dela a imagem que abre esta coluna.

E mais...

Há mais dicas, claro. Não pretendo (nem teria como!) esgotar o assunto aqui. Há muitos detalhes na explicações (como sugerr o item acima), bons exemplos, recomendações de leitura.

Leituras como este livro do Alan Moore nos abrem os olhos – inclusive para desfrutarmos de outras formas de entretenimento fora das HQs, como literatura, cinema etc. Conscientemente ou até inconscientemente, vamos reparar se o autor consegue nos trazer uma história bem narrada, se os coadjuvantes estão lá só ocupando espaço ou se houve trabalho para nos mostrar que todos eles ocultam histórias interessantes, se a história (que talvez já fosse bem interessante) ficou ainda mais bacana com o polimento dos detalhes....

Bom trabalho neste livro, mister Moore. Agradecemos se puder nos dar mais dicas.

Pedro Cirne é formado em jornalismo, desenhos e histórias em quadrinhos. É autor do romance “Venha me ver enquanto estou viva” e da graphic novel “Púrpura”, ilustrada por 17 artistas dos 8 países que falam português.