Adoro ler quadrinhos e ler sobre quadrinhos. E frequentemente tenho me deparado com esta frase: “o gênero dos super-heróis está esgotado”. Assim mesmo, sem ponto de interrogação. Apenas uma contestação. Da qual discordo, mas antes vou tentar pontuar os argumentos de quem tem essa opinião.
Veja a lista dos próximos filmes e seriados adaptando personagens da Marvel que estão por vir apenas neste ano e no próximo: Viúva Negra, Shang-Chi, Venom, Eternos, Homem-Aranha, Morbius, Doutor Estranho, Thor, Homem-Formiga e Vespa, Kingsman, Loki, Gavião Arqueiro, Ms. Marvel, Cavaleiro da Lua, Mulher-Hulk... Acho que nem preciso citar os da DC aqui, certo?
Com tanto material, será que essas produções não vão ficar... repetitivas? Chatas? Desinteressantes?
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Agora, vamos olhar para os quadrinhos (impressos ou digitais). A Marvel publica, agora em maio, revistas de Bill Raio Beta, Cavaleiro Negro e Quarteto Futuro, além de pelo menos nove revistas inéditas dos X-Men (ou mutantes). Ela e a DC, juntas, trazem mais de cem revistas inéditas em menos de 30 dias. E estamos falando apenas das duas gigantes dos EUA: há ainda a Image, a Dark Horse, a Oni Press...
Com tanta revista mensal, será que essas HQs não vão ficar... repetitivas? Chatas? Desinteressantes?
Resposta para tudo acima: sim, claro. E não, claro. Nem todo filme que é lançado, não importa o gênero, é necessariamente brilhante. Nem mesmo os vencedores do Oscar – você acha “Green Book – Um Guia para a Vida” acima da média?
É claro que nem todo filme ou série do gênero dos super-heróis será brilhante ou, ao menos, diferente. Para cada “WandaVision”, tão original em tudo, haverá um “Falcão e o Soldado Invernal” absolutamente convencional.
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E qual o problema em ser convencional? Faço um paralelo com os filmes de faroeste. Ele também surgiu como um subgênero de aventura que, graças às suas características específicas e ao talento dos seus criadores, virou um gênero à parte. O faroeste é um tipo de história esgotado ou ainda nos premia com boas obras? Assisti, outro dia, a “Notícias do Mundo”, com Tom Hanks. Um faroeste convencional. E bom! Não senti originalidade ou quebra de convenções, mas acabei a exibição satisfeito. Exatamente o que aconteceu comigo com “Falcão e o Soldado Invernal”.
Nos quadrinhos, a história é outra. Não é todo ano que sai algo que quebre os paradigmas, como “Watchmen” (de Alan Moore e Dave Gibbons) (de Alan Moore e Dave Gibbons), o Senhor Destino de J.M. DeMatteis, a Mulher-Hulk do John Byrne ou o Homem-Animal do Grant Morrison. E entre tantos autores de talentos desiguais tentando dar conta de dezenas de personagens, é claro que a qualidade varia.
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Mesmo assim, há obras muito boas sendo publicadas mensalmente. Por exemplo: na DC Comics, Brian Michael Bendis deita e rola com a Justiça Jovem e a Legião dos Super-Heróis, enquanto na Marvel Jonathan Hickman conseguiu dar frescor aos X-Men.
Voltando à pergunta original: o gênero dos super-heróis está esgotado? Para mim, não, em qualquer que seja a mídia. Em novembro, estreia o filme “Os Eternos”, da Marvel, dirigido por Chloé Zhao, que acabou de ganhar o Oscar de melhor diretora e de melhor filme por “Nomadland”. No mesmo mês, sai “Superman & the Authority”, com Grant Morrison dando um novo e inusitado rumo a um personagem com mais de oito décadas de estrada: ele foi nomeado representante da Terra em uma espécie de ONU dos planetas.
Enquanto tivermos o privilégio de ter artistas criativos e talentosos interessados no gênero, continuaremos sendo brindados com boas histórias.
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Pedro Cirne é formado em jornalismo, desenhos e histórias em quadrinhos. É autor do romance “Venha me ver enquanto estou viva” e da graphic novel “Púrpura”, ilustrada por 17 artistas dos 8 países que falam português.
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