Fundação Padre Anchieta

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Reprodução/Akira
Reprodução/Akira

Quanto mais observo a quantidade e a qualidade dos lançamentos mensais de quadrinhos aqui no Brasil, mais vejo o crescimento da publicação de mangás por aqui. Não é de hoje que isso acontece, e achei interessante escrever uma coluna sobre o tema.

Maaaas... Mas achei melhor entrevistar quem entende muito mais do que eu. E não foi difícil me lembrar de Cassius Medauar, gerente editorial e publisher na editora Conrad e alguém com mais de duas décadas de atuação no mercado dos quadrinhos (desculpe denunciar tua idade, Cassius).

Gentilmente, ele me respondeu sobre mangás, quadrinhos e, claro, Akira, a obra máxima de Katsuhiro Otomo.

Quando eu comecei a ler quadrinhos, lá nos anos 80, era muito difícil achar mangás à venda. Lembro de achar números esparsos de “Lobo Solitário”, que eu não comprava porque tinha a impressão de pegar a saga pela metade. Hoje, décadas depois, temos literalmente dezenas de mangás todos os meses sendo lançados no Brasil. Sei que uma resposta completa seria quilométrica, mas a quais principais fatores você atribui a popularidade dos mangás no Brasil de hoje?

A cultura japonesa sempre foi popular no Brasil, temos a maior colônia japonesa do mundo e os desenhos animados (“A Princesa e o Cavaleiros”, “Dragon Ball”, “Naruto”) e live-actions (“Ultraman”, “Jaspion” etc) foram presenças constantes na TV brasileira. Acredito que o grande boom dos “Cavaleiros do Zodíaco” nos anos 1990 e a criação de revistas específicas como a “Heróis” e suas similares abriram o caminho da popularidade e da vinda constante de mangás no final de 2000/começo de 2001, e então os eventos e facilidade de informação criada pela internet trataram de consolidar essa popularidade. Sem esquecer da enorme quantidade de temas e qualidade de roteiros e desenhos, claro.

O que distingue os mangás de outros tipos de quadrinhos? O que os torna tão atraentes?

Bom, pra começar, mangá é quadrinho. Muitos mangás não se diferenciam em nada de outras HQs. Mas acho que, no geral, o fato de sempre serem em preto e branco, o uso das onomatopeias como parte da arte, o fato de os mangás sempre serem finitos, mesmo os mais longos, e o uso constante da cultura japonesa nas tramas são pontos que os diferenciam dos outros e os tornam atraentes ao mesmo tempo. E exatamente por serem finitos, sempre há mangás novos começando, com novas temáticas, e muitos deles viram animês que são vistos no mundo todo e que geram um interesse ainda maior na leitura dos mangás.

Há quanto tempo você trabalha com mangás? Quando e como começou?

Trabalho com quadrinhos há pouco mais de 20 anos. Comecei trabalhando no atendimento ao leitor na editora Abril Jovem em 1996, mas especificamente com mangás foi em 2000, na Conrad, quando fui o editor responsável pelo lançamento de “Dragon Ball” e “Cavaleiros do Zodíaco”, primeiros mangás "originais" a sair no Brasil. Depois trabalhei sete anos na JBC, até 2019, e agora estou novamente na Conrad.

Quais são as maiores dificuldades em editar mangás no Brasil? E do que você mais gosta?

Acho que lidar com as editoras japonesas é bem difícil porque a cultura deles é bem diferente da nossa e eles são bem protecionistas com suas propriedades. É preciso paciência, educação e jogo de cintura. Ao mesmo tempo, uma das coisas que mais gosto é exatamente essa troca de experiências, eu aprendi demais ao trabalhar e conversar com diversas pessoas em editoras e agencias diferentes.

Como editor, que tipo de mangás você busca trazer para o público brasileiro? O que você prioriza? Mangás premiados? Sucessos de público? Os que já viraram animê?

O trabalho do editor é de ser curador, né? Tudo que você citou conta, mas também é importante a linha editorial da editora na qual estou trabalhando e, muitas vezes, a importância social daquele mangá, alguns títulos simplesmente são histórias que precisam ser publicadas. Pode-se procurar também coisas que o mercado não está vendo ou mesmo o contrário, títulos similares a outras que já fizeram sucesso por aqui.

Já notei que há uma parcela de leitores de super-heróis que torce o nariz para mangás. Idem para leitores de bandas desenhadas europeias. Pensando neles, e em quem não costuma ler quadrinhos, que mangás você recomendaria para que servisse de “porta de entrada”? Algo como “leia esse que é muito bom”?

Essa é fácil: Akira”! (risos) Pra mim, uma das maiores HQs de todos os tempos. Mas tem também O Cão que Guarda as Estrelas, um mangá lindo e super triste. Your Name é outro interessante. E All You Need Is Kill- que virou o filme “No Limite do Amanhã”. Todos esses são muito diferentes entre si e, fora “Akira”, todos curtos.

Que mangás ainda inéditos no Brasil você gostaria muito que saíssem por aqui? Por exemplo, os meus seriam “Fênix”, do Osamu Tezuka, e “Ashita no Joe”, de Asao Takamori e Tetsuya Chiba.

Essa é difícil, pois tem muita coisa já vindo. Acho que “Hajime no Ippo”, outro mangá sensacional de boxe, mas sei o quanto é difícil vir porque já tem mais de 100 volumes e continua em publicação.

A leitura de quadrinhos, hoje, não é mais necessariamente solitária. Há muitas maneiras de curtir quadrinhos também pelas redes sociais, seja no Instagram, no Facebook etc. Que perfis em redes sociais (quaisquer redes) você recomendaria ao fã de mangá (ou de quadrinhos em geral)?

O Universo HQ continua sendo a referência em jornalismo de quadrinhos. Recomendo muito o podcast deles, o Confins do Universo, e o canal deles no Youtube onde eles fazem resenhas semanais. Gosto do site Biblioteca Brasileira de Mangás, é simples, mas o criador faz um trabalho bem sério e metódico (o twitter deles é bem legal). Gosto muito do pessoal do Fora do Plástico no Instagram também.

De todo material que você já editou, qual te dá mais orgulho? E por quê?

Ah, vou citar alguns. Claro que Dragon Ball e Cavaleiros, por serem os primeiros títulos que editei e os primeiros mangás que abriram esse sucesso que dura até hoje. Começar Evangelion na Conrad e terminar na JBC foi incrível. Corto Maltese e Sandmanpela Pixel, por serem HQs tão icônicas. E Akira. Poder ser o editor responsável por publicar “Akira” novamente no Brasil é quase inacreditável. Como falei antes, pra mim uma das melhores HQs de todos os tempos.

Quais são seus projetos hoje? O que vai vir por aí?

Há um ano, aceitei o desafio de voltar pra Conrad pra reconstruir a editora. E está sendo um grande desafio fazer isso durante a pandemia, mas com a ajuda do Guilherme Kroll, da Balão Editorial, que é meu consultor, estamos remontando o catálogo lançando coisas como Miguelanxo Prado, a biografia do Jack Kirby e “Stuck Rubber Baby”.

E estamos investindo bastante no projeto digital da Conrad, lançando muitas HQs nacionais em e-books e até algumas latinas, e testando novos formatos digitais, como capítulos semanais, quinzenais ou mensais, o que nos permite lanças HQs a preços bem convidativos e para todos os bolsos.

Pedro Cirne é formado em jornalismo, desenhos e histórias em quadrinhos. É autor do romance “Venha me ver enquanto estou viva” e da graphic novel “Púrpura”, ilustrada por 17 artistas dos 8 países que falam português.