Fundação Padre Anchieta

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Divulgação/Mario Alberto
Divulgação/Mario Alberto

Adoro histórias em quadrinhos. E adoro esportes. Faz tempo que quero escrever sobre charges esportivas aqui no Hábito de Quadrinhos, e como no próximo final de semana teremos a final da Copa Libertadores sendo disputada por dois dos maiores clubes brasileiros (veja a charge lobo abaixo), achei que seria uma boa oportunidade para abordar o tema. Mas pensei que seria mais interessante se em vez de falar, eu ouvisse. E pensei em ouvir Mario Alberto, chargista com mais de duas décadas de carreira e que acompanho desde o lançamento do diário esportivo “Lance”.

Dei sorte: Mario Alberto topou falar comigo – aliás, descobri que o trabalho dele como chargista esportivo começou justamente no “Lance”. Ou seja, dei sorte duas vezes: afinal, como leitor, acompanho a carreira dele desde o início.

Mario Alberto falou sobre os limites do humor, charges que são mais para refletir do que para rir e até deu dica para quem está em início de carreira.

“Não curto muito a história de que chargista não pode ter time. Se vou fazer algo para falar com a paixão de outras pessoas, tenho de entender o que é a paixão, conviver com aquilo.” Leia os principais trechos da entrevista.

Eu sei que não existe uma fórmula mágica, mas quais os principais ingredientes para criar uma boa charge esportiva?

Você tem de estar a par dos fatos – uma charge é sempre baseada nos acontecimentos. Se é que dá para definir, tenho para mim que a charge pega os fatos e os leva a um lugar diferente. Acho que os ingredientes são o acontecimento em si e um estranhamento, algo diferente – normalmente, faço analogias nos meus desenhos.

O texto jornalístico relata o que aconteceu. Eu procuro pegar, dentro da rodada, o jogo que achei que tem a história mais interessante ou mais importante, e sintetizar em um desenho. Para fazer isso, você trabalha com metáforas. E cria aquela surpresa, o “punch”. Estou tentando evitar o clichê, mas é uma imagem que vale por mil palavras.

Não é a ilustração de um texto jornalístico, não tem de relatar o que está acontecendo. A charge não tem de ser descritiva, mas tem de captar a essência do que aconteceu.

Sua resposta começou com “tem de estar a par dos fatos”. Como você se informa hoje? Quando você começou em 1997, não tinha internet como temos hoje, nem tanta TV a cabo.

Quando comecei e tinha de fazer de uma caricatura, era muito difícil. Simplesmente não tinha de onde tirar referências. O “Lance” era um jornal novo e tinha um banco de dados pequeno. Eu recortava muita coisa da imprensa escrita e tinha meu próprio arquivo. Lembro de quando surgiu o Google Imagens, e eu digitava e aparecia um monte de fotos!

Jornal, internet e TV são as principais fontes. Leio jornal diariamente e fico muito, no dia a dia, na internet, vendo o que está acontecendo, especialmente no Twitter e no YouTube, acompanhando os jornalistas com os quais mais me identifico. Tenho pay-per-view e vejo os jogos, os melhores momentos e as mesas-redondas. O que vai me dar um clique do que vou desenhar? Às vezes é uma frase da mesa-redonda, uma manchete, uma foto, alguma situação dentro do jogo.

Que quadrinhos, ou desenho animado, ou qualquer outra forma de Arte, te ajudou na sua formação enquanto artista?
Quando eu era criança, o que era publicado aqui no Brasil eram os quadrinhos norte-americanos de super-heróis. Foi minha primeira fascinação.

Também cito muito como influência, como algo que amo muito até hoje, os desenhos clássicos da Warner, como Looney Tunes. Gosto de dizer que até hoje, nos meus mascotes, eu me inspiro no Willy Coiote, no Patolino, aquele timing de humor, a expressividade... São desenhos bonitos pra caramba, os cenários e os personagens são sensacionais.

Nunca deixei de ler quadrinhos e ver desenhos animados. Há pouco tempo, parei de acompanhar quadrinhos de super-heróis. E começou a haver muita publicação de quadrinho autoral brasileiro. Isso cresceu absurdamente, e vou pescando. Sempre compro menos do que queria: gostaria de ter espaço para ter uma biblioteca enorme de quadrinhos.

No momento, estou acompanhando os lançamentos de [Alberto] Breccia, [Sergio] Toppi, Marcello Quintanilha, Milo Manara, Angeli... Laerte, gênia total... Moebius... Moebius era tudo! Gosto tanto dos nacionais quanto dos gringos.

Você enxerga semelhanças entre charges esportivas e políticas?

A charge política é mais fácil de sacar o que tem de fazer: o objeto da charge é mais evidente. Você vai falar do que está acontecendo na política do país naquele momento e pronto. A charge esportiva é pulverizada. Se eu faço uma charge do Vasco, o palmeirense reclama que não fiz do time dele. Aí eu faço do Palmeiras e ele reclama que tirei sarro do time dele.

A ideia da charge é que ela seja crítica – que tenha humor, mas que seja crítica. Na política, é mais evidente isso: o humor é potencializador da crítica. Ele pega ali na veia e, ao mesmo tempo, faz todo mundo rir.

Eu não me comporto como torcedor quando estou trabalhando nem nas redes sociais. É inviável: estaria prejudicando minha avaliação das coisas. Por outro lado, faço questão de manter intacta a minha paixão, que é o que me trouxe até aqui. Não curto muito a história de que chargista não pode ter time. Se vou fazer algo para falar com a paixão de outras pessoas, tenho de entender o que é a paixão, conviver com aquilo.

Eu separo que meu time ganhar é uma coisa, minha carreira é outra. Fazer isso bem feito é importantíssimo para mim.

A diferença entre as charges é basicamente essa: na esportiva, você sabe que está lidando com aquelas paixões todas, mas não pode se limitar a isso. O elogio que mais gosto de receber é quando me dizem: “meu time perdeu, mas sua charge está ótima!”. Este é o objetivo: fazer rir mesmo na derrota. E, felizmente, isso acontece. Não faço minhas coisas com rancor, faço com amor, para que as pessoas gostem – quem ganhou e quem perdeu.

Você mencionou reação de torcedor, que fica bravo quando não tem charge e quando tem charge. Uma coisa é paixão, outra é o fanatismo. Também há a questão do retratado. Em última instância, o próprio atleta lê as suas charges. Existe algum limite para lidar com o fanatismo? E com as críticas a um esportista?

A discussão do limite do humor é interminável. Acho que quem determina as fronteiras é o humorista. Tem que ir na direção de uma borda: antes do limite não tem graça, mas se avançar demais, erra e cai.

Você falou de fanatismo e paixão, mas tem também os costumes. As coisas mudam, e temos de acompanhar isso. É muito complicado você dizer para alguém que vai fazer humor até onde poder ir. Ele que tem que saber – e existe uma responsabilidade. Pode acontecer o erro, porque o humor busca o limite. Se você fica muito na área segura, não tem graça.

Existe sim uma responsabilidade que cada um tem que assumir. Eu não sou o cara que vai fazer qualquer coisa. Há chargistas que são metralhadoras giratórias, mas é a índole deles. E vão saber lidar com os prós e os contras disso.

Sem querer parecer pretensioso, mas gosto de me ver mais como um lutador de esgrima. Quando dou a estocada, é para acabar a luta, é um golpe bacana.

Se um fanático me fala que não posso fazer isso ou aquilo, não ligo. Mas se um atleta jogar mal, vou retratar ele lá, porque essa é minha função como chargista. Que todos nós tenhamos a sabedoria de rir de nós mesmos.

Falamos mais cedo sobre o fato de as charges serem atrelados a fatos. Você já fez charges sérias ou atreladas a acontecimentos tristes?

Como a charge tem esse princípio de ser crítica, às vezes acontece de abordar um acontecimento sério e de não ter propriamente graça.

Já aconteceu de eu ouvir “pô, mas você está brincando com isso!”. Mas a charge em questão era uma crítica, não uma brincadeira. Existe essa separação: as charges sérias. O humor é um elemento primordial, mas às vezes as charges são críticas. Voltando à sua pergunta anterior, é a história da responsabilidade. Eu sei que não estou fazendo piada com aquilo. Quando todo mundo entende que é uma piada, mas não era para ter graça, o errado sou eu. Mas se é uma pessoa só que achou graça, foi ela quem não entendeu.

Lembro de uma charge que eu fiz quando o jogador Gérson, do Flamengo, fez uma acusação de racimo. Eu desenhei o Gérson fazendo o símbolo do “vapo” [gesto típico do atleta] na frente da palavra “racismo”. Não tem graça nenhuma. É uma charge que não é para rir, é para pensar. Gosto de achar que consigo provocar isso nas pessoas, de ampliar o debate.

Que conselho você daria para um chargista esportivo em início de carreira?

Eu diria para não pensar mais em jornalismo impresso. A charge cresceu, ao longo da história, nos jornais. Mas esse espaço diminuiu muito. Por outro lado, temos o mundo vasto de possibilidades que é a internet.

Dar conselho para os outros é difícil, mas eu diria: faça e publique na internet, nas suas redes sociais. Invista nisso que as coisas podem acontecer.

Pedro Cirne é formado em jornalismo, desenhos e histórias em quadrinhos. É autor do romanceVenha me ver enquanto estou vivae da graphic novel Púrpura, ilustrada por 17 artistas dos 8 países que falam português.