Coluna Hábito de Quadrinhos

A importância de George Pérez para o gênero dos super-heróis


14/03/2022 09h46

A editora Panini anunciou há duas semanas seus lançamentos para maio. O que mais me chamou a atenção foi 'Liga da Justiça por George Pérez', um volume com mais de 300 páginas dedicado a um dos artistas mais influentes – e queridos – do gênero. Acho que vale a pena aproveitarmos para trocar algumas palavrinhas sobre ele.

Pérez começou a trabalhar com quadrinhos em 1974, já no gênero dos super-heróis – era desenhista da Marvel. Ilustrador de um traço preciso e detalhista, passou por títulos menores como 'Sons of the Tiger'. Mas no ano seguinte já assumiu o cargo de desenhista da revista mensal dos Vingadores, um dos maiores títulos da editora. Suas páginas traziam Homem de Ferro, Capitão América, Thor e mais heróis em histórias coloridas recheadas de aventuras e muitos personagens – em sua estreia no título, a equipe enfrentava o Esquadrão Sinistro, uma homenagem da Marvel à Liga da Justiça, da concorrente DC Comics.


No início dos anos 80, Pérez passou a trabalhar para a DC Comics – em dois títulos de supergrupos, a Liga da Justiça e os Novos Titãs. Assim como nos Vingadores, seu trabalho detalhista e rigorosamente preciso encaixou muito bem em histórias com dezenas de seres de capas e uniformes coloridos voando por aí.

Os Titãs, aliás, são um caso à parte. O grupo já existia antes da chegada de Pérez, mas não era tão famoso assim. A revista foi relançada, agora com o nome de Novos Titãs, com roteiros de Marv Wolfman e arte de Pérez: foi um sucesso! A reinvenção de heróis clássicos (foi ali que Dick Grayson, após décadas como Robin, se tornou o Asa Noturna) e a criação de personagens cativantes (como Ciborgue, Mutano e Estelar, todos cocriados por Pérez), aliados a histórias envolventes, tornaram os Titãs o maior sucesso da DC de então.


Ainda no início dos anos 80, Marvel e DC começaram, timidamente, a investir em “crossover”: histórias especiais, fora da continuidade oficial das editoras, que juntavam personagens das grandes rivais. Houve o encontro entre Superman e Homem-Aranha, Batman & Hulk e X-Men & Novos Titãs. E o melhor estaria por vir: Vingadores versus Liga da Justiça!

O roteiro traria o confronto entre os heróis favoritos dos leitores de ambas as editoras. De um lado, Capitão América, Thor, Homem de Ferro, Gavião Arqueiro, Feiticeira Escarlate... Do outro, Superman, Mulher-Maravilha, Batman, Flash, Aquaman... Quem seria o desenhista ideal para tanta aventura, tanto poder, tantos personagens queridos do público? Sim, George Pérez. Entretanto...

Entretanto, por algum motivo, o projeto não foi adiante. Pérez chegou a ilustrar as 21 primeiras páginas, que não foram publicadas – mas que estão a um google de distância, caso esteja curioso.

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Nós leitores, perdemos com essa, mas a vida seguiu – bem como a carreira de Pérez. Poucos anos depois, a DC Comics percebeu que seus títulos mensais estavam confusos – eram décadas de cronologia acumulada, sem muita ordem. Resolveu apertar um botão de “reset” e começar de novo. Para tanto, planejou uma minissérie que colocaria um fim no universo da DC como era até então: 'Crise nas Infinitas Terras', que sairia entre 1985 e 86.

O desafio por trás de Crise era enorme. Primeiro, no roteiro: a editora tinha dezenas de “universos paralelos” e a ideia era unir todos diante de uma ameaça gigantesca – para esta tarefa veio Marv Wolfman, parceiro de Pérez nos Novos Titãs. O segundo era a arte: não seriam apenas “dezenas” de heróis e “dezenas” de vilões juntos, mas centenas de personagens voando para todo lado. Quem seria o desenhista ideal para tanta aventura, tanto poder, tantos personagens queridos do público? Sim, George Pérez...

O resultado foi ótimo. Em apenas 12 números, centenas de personagens apareceram, nem que por apenas um quadrinho (foi assim que descobri que a DC tinha uma heroína brasileira, na época conhecida como Flama Verde, hoje chamada de Fogo). Houve cenas icônicas, como o trágico fim do Flash ou a capa com o Superman lamentando a morte da Supergirl, e “Crise” influenciou até no formato: tanto a Marvel como a DC passaram a investir anualmente em grandes eventos como este.


Além disso, Pérez, que começou a minissérie como desenhista, terminou como corroteirista: descobriu-se que o talento dele ia além do traço. Pouco depois, isso foi testado de uma maneira bem difícil: a reformulação da Mulher-Maravilha.

Como a DC havia zerado sua cronologia, era preciso recontar a história de seus personagens a partir do zero. Frank Miller ficou com o roteiro do Batman; John Byrne recriou o Superman; e a Pérez coube a reformulação da Mulher-Maravilha.

Pérez roteirizou a maior super-heroína dos quadrinhos por mais de cinco anos (nas primeiras histórias, Greg Potter e Len Wein estiveram ao seu lado na escrita). Ele também ilustrou a maior parte das aventuras, mas foi se concentrando no roteiro conforme o tempo foi passando. O resultado foi fantástico: trata-se de melhor fase da Mulher-Maravilha desde que ela foi criada por William Moulton Marston e Harry G. Peter em 1941.

Pérez colocou o foco na humanidade da personagem: a princesa Diana de Themyscira era uma pacifista acima de tudo, uma personagem amorosa e inteligente, que recorria à violência em última caso. Ao seu redor, foi criado um rol de personagens cativantes e humanos – havia mais destaque para a professora Kapatelis, amiga e tutora da heroína, do que para o vilão do mês.


A este ponto da carreira, Pérez já havia inaugurado um estilo próprio de arte, que até hoje influencia quem trabalha com super-heróis. Grandes artistas do momento, como Alex Ross e Phil Jimenez, repetem de quando em quando a importância de Pérez sobre seus trabalhos.

E ainda haveria mais pela frente: lembra do confronto entre Vingadores e Liga da Justiça? Décadas depois, ele finalmente aconteceu. O roteirista Kurt Busiek escreveu a minissérie, de apenas quatro edições, e coube a Pérez a ilustração. O trabalho ficou incrível, um deleite para os fãs do gênero. Cada membro e ex-membro de um dos grupos teve direito a seu "um minuto de participação" ali – a capa da terceira edição traz nada menos do que 208 super-heróis, ilustrados minuciosamente pelo artesão George Pérez.

Pérez, claro, criou muitas outras histórias além dessas. E, com sua simpatia, cativou fãs em convenções – como os brasileiros (eu o/) que tiveram a chance de o encontrar em 2013 em Belo Horizonte, durante o Festival Internacional de Quadrinhos.

Em dezembro do ano passado, Pérez anunciou estar com um câncer inoperável e ter de seis meses a um ano de vida. “Vou aproveitar o tempo que ainda tenho da maneira mais intensa o possível com minha linda mulher há mais de 40 anos, minha família, meus amigos e meus fãs”, escreveu.

Tanto os fãs como os colegas dedicaram – e ainda dedicam – homenagem a ele desde então. Em fevereiro, a Marvel e a DC anunciaram o relançamento de 'LJA/Vingadores' pela Hero Initiative, organização que auxilia quadrinistas que precisam de ajuda para custear o tratamento de problemas de saúde, e que tem entre seus fundadores o próprio Pérez. Este grande artista – e segundo os que convivem com ele, grande pessoa – merece cada demonstração de carinho e apoio como esta.


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