Nós, fãs de quadrinhos, perdemos na semana passada Neal Adams (1941-2022).
Um tremendo artista. Mais do que isso: um tremendo batalhador pelo direito dos artistas – vale um texto à parte tudo o que Adams e Jerry Robinson fizeram por seus pares. Hoje, no calor da perda, vou escrever sobre outro legado de Adams: o que ele fez dentro dos quadrinhos. Separei cinco histórias icônicas criadas por ele, em ordem cronológica.
“Crepúsculo dos Mutantes” (X-Men, 1969), de Roy Thomas, Neal Adams e outros
Os X-Men estavam em baixa no final dos anos 60. A revista corria risco de ser cancelada. Um então novato Neal Adams entrou em ação e, nos poucos números a que teve direito, mostrou uma arte poderosa, colorida e dinâmica. Era o seu primeiro trabalho para a Marvel, e Adams ilustrou o confronto definitivo com os poderosos Sentinelas, encerrado com uma cinematográfica cena que envolve o Sol (não vou dar detalhes, caso não tenha lido).
Em tempo: “confronto definitivo” para os padrões das histórias de super-heróis, claro. Os Sentinelas voltaram. Muitas e muitas vezes.
“O mal sucumbirá ante minha presença!” (Arqueiro Verde e Lanterna Verde, 1970), de Dennis O’Neil e Neal Adams
A passagem da dupla Dennis O’Neil e Neal Adams pelos (na época) não tão famosos Arqueiro Verde e Lanterna Verde foi um marco no gênero dos super-heróis. Pela qualidade, claro. Mas também pelo tema que elas abordaram – não à toa, duas histórias desta fase figuram nesta lista.
“O mal sucumbirá ante minha presença!” foi a estreia da parceria entre Arqueiro Verde e Lanterna Verde – eles já eram colegas na Liga da Justiça, mas foi a primeira vez em que dividiram uma revista mensal com aventuras lado a lado. E a introdução já mostra a que veio, abordando um tema até então quase esquecido nos quadrinhos americanos (e não só nos de super-heróis): o racismo.
Em uma cena marcante, que abre este artigo, um homem negro conversa com o Lanterna Verde – para quem não conhece o herói, trata-se de um soldado que serve a um “Exército” alienígena e detém a arma mais poderosa do universo: o anel do Lanterna Verde, com poderes quase infinitos.
O homem pergunta (perdoe pela tradução livre):
- Andei lendo a seu respeito. Você trabalha para os de pele azul [os alienígenas que criam e distribuem os anéis dos Lanternas Verdes]. E, em outro planeta, salvou os de pele laranja. E já ajudou consideravelmente os de pele roxa. Só tem uma cor de pele com a qual você nunca se importou: os de pele preta. Eu quero saber... Por quê? Responda-me, senhor Lanterna Verde!
E o homem com a arma mais poderosa do universo responde:
- Eu... Não consigo...
Uma paulada de diálogo. Em uma história inesquecível.
“Nas Veias” (Arqueiro Verde e Lanterna Verde, 1971), de Dennis O’Neil e Neal Adams
O’Neil e Adams continuaram fazendo história com a dupla Arqueiro Verde e Lanterna Verde. Foi nesta história de 1971 em que, pela primeira vez, o gênero de super-heróis abordou o tema das drogas. A questão não foi apresentada com sutileza ou com uma metáfora: a própria capa entregava que Ricardito, super-herói e afilhado do Arqueiro Verde, estava viciado.
Drogas. Em um gibi de super-heróis, sempre perfeitos.
E como o super-herói, o “perfeito”, Arqueiro Verde reagiu ao ver o afilhado naquela condição? Deu-lhe uma bordoada, cego de raiva e decepção. O drama retratado por O’Neil e Adams não era só sobre vício, mas também sobre aceitação de problemas e a difícil relação pai-filho.
“Filha do Demônio” (Batman, 1971), de Dennis O’Neil e Neal Adams
Os quadrinhos do Batman eram influenciados pelo seriado de TV cômico e inocente do fim dos anos 60, até que O’Neil e Adams chegaram. O Morcegão voltou às suas origens, mais sombrio e detetive do que nunca. Há muitas histórias marcantes nesta fase, mas fico com “Filha do Demônio” porque traz a primeira aparição de um dos mais icônicos vilões do Homem-Morcego: Ra’s Al Ghul (sim, uma cocriação de Adams).
“Superman Vs Muhammad Ali” (1978), de Dennis O’Neil e Neal Adams
Uma graphic novel marcada pela originalidade. De um lado, o maior boxeador de todos os tempos: Muhammad Ali. De outro, o maior super-heróis de todos os tempos: Superman – com direito a uniforme, capa e luvas de boxe! Uma desculpa meio aleatória, é verdade, coloca os dois no ringue, e está preparada a diversão do leitor.
Pedro Cirne é formado em jornalismo, desenhos e histórias em quadrinhos. É autor do romance “Venha me ver enquanto estou viva” e da graphic novel “Púrpura”, ilustrada por 17 artistas dos 8 países que falam português.
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