O confinamento imposto pela pandemia do novo coronavírus fez a estudante paulistana Eve (pronuncia-se Ive) Rodrigues, de 16 anos, florescer como poeta. Seu primeiro livro acaba de ser lançado em formato digital e reúne 12 poesias de sua autoria. Numa primeira análise, os versos de “Trancada me refiz poeta” podem parecer desabafo do isolamento, mas são, na verdade, sinalização de que tudo está diferente. E bem antes da Covid-19.
A obra é resultado da autonomia que as tecnologias em rede conferem aos indivíduos. “Tudo gira em torno da internet”, contou Eve. “Se ela não existisse, estaria a muitos passos de onde estou hoje”. Em casa, como boa parte dos brasileiros, a jovem se valeu de recursos típicos de computador e celular para produzir sozinha sua primeira publicação.
Texto em PDF, ilustrações feitas no aplicativo Canva, distribuição pelo Google Drive e pagamento pelo recém-lançado Pix é o estado sólido da nova ordem econômica, precisamente assimilada pela aluna do terceiro ano do ensino médio da Escola Estadual Oswaldo Catalano, no Tatuapé, em São Paulo.
Mas a ideia de produção pós-industrial em rede já se apresentou em estado líquido há anos, desde a aparição do conceito de Web 2.0, por Tim O’Reilly, lá no comecinho deste século. É do mesmo período a “bíblia” desse pensamento, o livro de 515 páginas “A Riqueza das Redes: Como a Produção Social Transforma os Mercados e a Liberdade” (Yale University Press, 2006), do professor Yochai Benkler.
Levou pouco mais de dez anos, portanto, para que a proposta acadêmica de sociedade de produção e consumo fosse transformada em prática no cotidiano de jovens. A pandemia foi, sim, uma impulsionadora, na medida em que colocou mais gente utilizando mais tecnologias por mais tempo. Mas já estava tudo ali, aguardando seu melhor usuário.
Essa evolução nos hábitos fica evidente também no conteúdo da obra de Eve, participante ativa e premiada de slam – campeonatos de poesia falada. A centralidade da cibercultura no trabalho aparece em trechos como “Internet, fraca. Saudades, forte. Ligação, cai. Choro, também. Então te peço, por favor, vem”. Ou em “Sou prisioneira da tomada, que ao carregador me prende”.
O livro é, ao mesmo tempo, memória de um período emperrado e alerta de um futuro mais livre. Se adaptação às mudanças é o que garante a sobrevivência da humanidade, como demonstrou o biólogo britânico Charles Darwin (1809 – 1882), jovens como Eve enchem a espécie de esperança.
Ricardo Fotios é jornalista, professor universitário e pesquisador de temáticas relacionadas ao uso de tecnologias no ecossistema da comunicação e da cibercultura. É autor de Reportagem Orientada pelo Clique (Appris, 2018).
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