É evidente que há ação criminosa nos recorrentes vazamentos de dados de brasileiros na internet. Mas a tarefa desses gatunos digitais é facilitada pela negligência de cidadãos em relação às próprias informações que deveriam proteger.
Mal comparando, um bandido que pretende invadir uma propriedade, por exemplo, terá mais êxito na atividade se o imóvel permanecer aberto, sem portas e janelas trancadas. Não se trata de culpar a vítima em vez do agressor, mas preservar o que se estima pode ajudar a evitar o crime.
Muitos dos dados vazados nem são obtidos pela internet, mas por meios físicos corriqueiros. Em sua coluna no UOL, o professor Carlos Affonso, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio), lembrou um desses hábitos comuns: dar o CPF nas farmácias em troca de algum desconto, sem que o consumidor se dê conta das ligações que se pode fazer entre esse número e os medicamentos que adquire.
Mesmo os dados mais singelos podem virar uma importante ferramenta de identificação inadequada de pessoas. Pelo Twitter, a especialista em ciência de dados Fernanda Campagnucci pontuou sobre o tom de indiferença que muitos assumem em relação ao conhecimento do código postal: “CEP, especificamente ele, é a variável que mais chega perto do indivíduo, pinta um alvo nele”, alertou.
Como se pode notar pelos vazamentos recentes, o desdém com a privacidade não é novo nem exclusividade do espaço digital. Mas é na internet que esses crimes ganham dimensões gigantescas, podendo gerar inúmeros “clones” daqueles indivíduos, fazer compras e até contrair dívidas sem que o titular dos dados saiba.
Como utilizar a internet é um aprendizado simples e cada vez mais intuitivo. O que se apresenta como fundamental nesta etapa da digitalização da sociedade é saber o que é e como funciona o ciberespaço. Nesta nova configuração de mundo, a evolução dependerá do grau de domínio de tecnologias de informação e comunicação (TICs).
Nesse sentido, o Brasil avançou com a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), que entrou em vigor no ano passado. E pode avançar mais se as escolas de Educação Básica conseguirem implementar o que diz a 5ª Competência Geral da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), de 2018:
“Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.”
Os desafios para preparar equipamentos e capacitar professores serão muitos, como vimos nos obstáculos enfrentados pelas aulas a distância durante a pandemia. Mas não há caminho de volta. O brasileiro do futuro deverá saber, pelo menos, que não deve trocar seus dados pessoais por joguinhos de rede social.
Ricardo Fotios é jornalista, professor universitário e pesquisador de temáticas relacionadas ao uso de tecnologias no ecossistema da comunicação e da cibercultura. É autor de Reportagem Orientada pelo Clique (Appris, 2018).
REDES SOCIAIS