Autoridades do DF foram cúmplices do terror? Qual foi a participação de Bolsonaro no ataque? Quem financiou o ato e o deslocamento da horda golpista? As perguntas sobre o 8 de janeiro que ainda precisam de respostas.Comando das forças de segurança foram incompetentes ou cúmplices?
O dia de terror bolsonarista levou o presidente Lula a assinar ainda no domingo (08/01) um decreto de intervenção federal na segurança pública do Distrito Federal, após as autoridades locais ligadas ao bolsonarismo serem acusadas de incompetência na gestão da crise e até cumplicidade com a horda de golpistas que destruiu as sedes dos Três Poderes.
No final do dia, foi a vez de o ministro Alexandre de Moraes determinar o afastamento por 90 dias do governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), um aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro. Na decisão, Moraes afirmou que a violência de domingo ocorreu com a "anuência" das autoridades de segurança e inteligência.
"A escalada violenta dos atos criminosos resultou na invasão dos prédios do Palácio do Planalto, do Congresso e do STF, com depredação do patrimônio público, conforme amplamente noticiado pela imprensa nacional, circunstâncias que somente poderiam ocorrer com a anuência, e até participação efetiva, das autoridades competentes pela segurança pública e inteligência, uma vez que a organização das supostas manifestações era fato notório e sabido, que foi divulgado pela mídia brasileira", escreveu Moraes na decisão.
Nos últimos dias, dezenas de ônibus com bolsonaristas se dirigiram a Brasília para reforçar o acampamento golpista instalado há meses em frente ao Quartel-General do Exército, sem que as autoridades do DF aumentassem o efetivo de segurança na Esplanada dos Ministérios. Isso tudo mesmo após um ato bolsonarista em 12 de dezembro ter terminado em vandalismo e numa tentativa de invasão da sede da Polícia Federal.
Ainda no domingo, a PM do DF chegou a escoltar uma marcha de golpistas concentrados no QG do Exército até a Esplanada dos Ministérios. Quando os extremistas começaram a avançar para invadir os prédios, o pequeno efetivo policial no local não tinha condições de barrar a turba.
Até domingo, a Secretária de Segurança do DF era comandada por Anderson Torres, que ocupou justamente o cargo de ministro da Justiça sob Bolsonaro. Torres já havia sido acusado de complacência com golpistas durante os bloqueios a rodovias no ano passado e na tentativa de invasão da sede da PF no mês passado.
Além disso, ele comandava o Ministério da Justiça no período do segundo turno das eleições, quando a Polícia Rodoviária Federal (PRF), órgão subordinado à pasta, foi usada pelo governo para dificultar o deslocamento de eleitores em áreas que concentravam eleitores de Lula.
Dessa forma, as corporações policiais do DF estavam subordinadas a um secretário bolsonarista que já havia sido acusado de omissão ou até participação em ações antidemocráticas em 2022. Torres também não estava na cidade quando o ataque ocorreu - e ele está em viagem aos EUA.
Diante da explosão de violência, o agora afastado Ibaneis Rocha tentou se distanciar dos atos e demitiu Torres, mas isso não impediu seu afastamento. Numa clara tentativa de escapar de alguma responsabilização pela violência, Ibaneis também publicou antes do seu afastamento um vídeo pedindo "desculpas" a Lula e chamando os atos de "inaceitáveis".
O atual ministro da Justiça de Lula, Flávio Dino, evitou apontar diretamente o dedo para Ibaneis, afirmando que não achava que o governador tenha se omitido deliberadamente ou agido com "má-fé", preferindo acreditar que ele foi provavelmente "foi iludido" ou "enganado". Ele também afirmou que investigações vão mostrar se as falhas na segurança ocorreram por "incompetência ou ardil".
No entanto, Dino também deu sinais de ter confiado excessivamente no governo Ibaneis nos dias que precederam o ataque, afirmando na véspera que a segurança contaria com a "atuação constitucional do Governo do Distrito Federal". Depois do ataque, foi a vez de Dino afirmar que o governo do DF havia mudado o planejamento da manifestação sem lhe comunicar, abrindo a Esplanada aos golpistas. Ele também culpou uma "infiltração ideológica" nas instituições para explicar por que as forças não barraram os golpistas inicialmente.
Há também questões em aberto sobre a atuação do Exército. A Guarda Presidencial, que é um batalhão do Exército e que conta com 1.000 militares, só foi acionada quando bolsonaristas já estavam dentro do Palácio do Planalto. Mesmo com a chegada de milhares de novos bolsonaristas a Brasília nos dias que precederam o ataque, o batalhão não foi colocado de prontidão.
O ataque também deve provocar questionamentos sobre a atuação do ministro da Defesa, José Múcio, que vinha adotando uma posição de tolerância com os extremistas acampados em Brasília. Mesmo após um bolsonarista que fazia parte do acampamento plantar uma bomba na capital em dezembro, Múcio ainda continuou a insistir que os manifestantes no local eram "pacíficos" e que a presença deles era uma "demonstração da democracia".
Qual foi o papel de Bolsonaro no ataque?
O ex-presidente de extrema direita Jair Bolsonaro se encontra no estado americano Flórida desde o fim de dezembro, quando abandonou a Presidência da República dois dias antes da posse de Lula.
Em uma quebra de protocolo não vista em mais de 30 anos, Bolsonaro se recusou a passar a faixa presidencial a Lula. Nos últimos anos, o ex-presidente também insuflou repetidamente seus apoiadores a não aceitarem uma derrota e espalhou mentiras sobre o sistema eletrônico de votação, além de convocar protestos para tentar intimidar o Judiciário e o Legislativo.
Em 2021, quando a sede do Congresso dos EUA foi invadida e depredada por apoiadores de Donald Trump, Bolsonaro evitou condenar o ataque. No mesmo período, ele afirmou que, se a eleição brasileira não passasse a contar com "voto impresso", o Brasil teria um "problema pior que os Estados Unidos".
Ainda não está clara a participação de Bolsonaro na coordenação dos ataques de domingo. Ainda não há apareceram provas de que Bolsonaro tenha convocado seus apoiadores a se dirigirem a Brasília, mas nos últimos meses o ex-presidente demonstrou sua aprovação aos atos instalados em frente a quartéis. Ele ainda permaneceu inicialmente em silêncio quando membros da sua base radical bloquearam rodovias após a eleição, no que foi encarado pelos seus apoiadores como sinal de aprovação. A PRF sob Bolsonaro também não agiu imediatamente contra os bloqueios.
Nos últimos quatro anos, em outras oportunidades, Bolsonaro se envolveu pessoalmente na organização de manifestações antidemocráticas contra o Supremo e o Legislativo. Em outros momentos, mesclou silêncio público com maquinações nos bastidores. Entre fevereiro e março de 2020, ele foi flagrado distribuindo mensagens para a convocação de um ato contra o STF e o Congresso que supostamente não contaria com apoio do governo, depois negou que tivesse feito isso, na sequência passou a convocar explicitamente e no final compareceu ao ato.
No domingo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tomou posse há apenas uma semana, responsabilizou Bolsonaro pela violência em Brasília. "Este genocida não só provocou isso, como está estimulando ainda pelas redes sociais", disse Lula.
Bolsonaro permaneceu publicamente em silêncio enquanto seus apoiadores destruíam as sedes dos Três Poderes. Ele só se manifestou após a polícia expulsar os invasores, publicando uma condenação protocolar, mas ainda assim criticando a "esquerda". O ex-mandatário também afirmou "repudiar" as acusações de Lula feitas no domingo.
Quem financiou o ato que resultou no dia de terror em Brasília?
Nos últimos dias, o acampamento golpista montado em frente ao QG do Exército, em Brasília, vinha recebendo reforço de novos extremistas, que chegaram a Brasília em dezenas de ônibus. Nas redes sociais bolsonaristas, circulava nesta semana uma convocação de uma "tomada de Poder pelo próprio povo" marcada para ocorrer no Congresso nos dias 7 e 8 de janeiro.
Ainda no domingo, Lula prometeu que os financiadores do ato serão punidos. "Nós vamos tentar descobrir quem financiou isso. E essa gente toda vai pagar. Se houve omissão de alguém no governo federal que facilitou isso, também será punido", disse o presidente.
Em entrevista coletiva, Flávio Dino disse que a Polícia Federal já está elaborando o mapa de financiamento do ataque que pelo menos 40 ônibus haviam sido apreendidos até a noite de domingo.
"Quem financia crime, criminoso é. Nós já levantamos todos os ônibus, de onde vieram, quem pagou. Temos a lista dos passageiros e vamos pedir as medidas cabíveis à polícia judiciária, tanto da PF quanto da Polícia Civil", disse Dino. O ministro também afirmou nesta segunda-feira que o governo já identificou em cerca de dez estados do país financiadores dos atos, sem dar mais detalhes.
Antes mesmo da violência em Brasília, um inquérito que tramita no STF já investigava financiadores de atos antidemocráticos prévios de bolsonaristas, como os bloqueios a rodovias após o segundo turno e a manutenção de acampamentos em frente a quartéis país afora. Em novembro, procuradores informaram o relator do inquérito, o ministro Alexandre de Moraes, sobre uma rede de financiadores formada por empresários e produtores rurais.
No mesmo mês, reportagem do jornal O Estado de S. Paulo mostrou que Mais de um terço dos 234 caminhões que se dirigiram a Brasília para atos antidemocráticos em frente ao QG do Exército imediatamente após o resultado do segundo turno das eleições de 2022 pertencia a empresários do agronegócio do Centro-Oeste que já haviam doado R$ 1,3 milhão para a campanha de Bolsonaro. Em meados de novembro, Moraes já havia determinado o bloqueio de contas de 43 empresas e pessoas suspeitas de financiar atos antidemocráticos.
Em dezembro, foi a vez de Moraes expedir 103 mandados de busca e apreensão em oito Estados e no DF contra empresários e outros suspeitos de organizarem e financiarem bloqueios de rodovias e atos em frente a quartéis.
Ainda não está claro se o ato de domingo em Brasília também será incluído no mesmo inquérito. Alguns políticos defendem que seja instalada uma CPI dos "atos antidemocráticos".
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