O mapa que indica a seca no Brasil praticamente não poupa regiões. A situação é excepcionalmente crítica em estados que abrigam a Floresta Amazônica, como Acre, pontos do Amazonas e norte de Mato Grosso. A previsão é que o cenário se agrave nos próximos meses no semiárido do Nordeste.
Mesmo para quem trabalha há décadas analisando fenômenos de seca, não há clareza sobre o que está acontecendo no Brasil. A comunidade de pesquisadores tenta desvendar se há relações entre o aquecimento anormal dos oceanos, o desmatamento e a estiagem prolongada atual.
"Está difícil de encontrar até a explicação científica nesse momento para esse cenário que a gente está vendo. Em algumas regiões já faz mais de 12 meses que a chuva está abaixo da média", afirma Luz Adriana Cuartas, pesquisadora do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
O prognóstico não é otimista. Todo o país sofrerá com o calor acima da média e pouca chuva nos próximos meses. Apenas na região Sul, que sofreu as enchentes históricas em abril passado, deve chover mais, aponta o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
"Nesse momento, um dos setores que estão sendo mais impactados é o agrícola. Na sequência, vem o abastecimento, geração de energia e navegação", comenta Cuartas, integrante do Sistema de Informação sobre Secas para o sul da América do Sul (Sissa).
Abastecimento e energia
A escassez hídrica levou algumas cidades no interior paulista a implementar rodízio de água. O acesso a informações do tipo onde o serviço é feito por autarquias municipais é limitado devido ao período eleitoral. Em Minas Gerais, diversos municípios também encaram rodízio.
A seca deixa a conta de energia elétrica mais cara. No Brasil, as usinas hidrelétricas são a principal fonte – a mais barata – de eletricidade, e quando há menos água nos reservatórios, o sistema gasta mais na geração.
Isso levou a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a acionar a bandeira vermelha do sistema tarifário. Ou seja, o brasileiro vai pagar R$ 7,87 a mais para cada 100 quilowatts-hora (kWh) consumidos a partir de setembro. A expectativa é que o país consuma menos eletricidade, o que é um desafio quando a temperatura sobe – historicamente, a tendência de consumo aumenta em busca de refrigeração.
Segundo o Operador Nacional do Sistema (ONS), que controla as redes de abastecimento no país, o nível dos reservatórios deve ficar 50% abaixo da média histórica em setembro. No Sudeste/Centro-Oeste, que concentra 70% dos reservatórios mais importantes em termos de geração de energia elétrica, o prognóstico é de 49% a menos, o mais baixo para o mês em toda a série histórica de 94 anos, afirmou o ONS.
Não chover durante tanto tempo é uma tragédia, lamenta Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ): a energia custará mais pelo fato de usinas termelétricas, mais caras e mais poluentes, serem ligadas para atender à demanda.
"Mas não há risco de apagão. As hidrelétricas estão representando cada vez menos na matriz elétrica brasileira devido à ampliação da capacidade instalada das fontes eólica e solar", avalia Castro em conversa com a DW.
Atualmente, as hidrelétricas geram quase metade da eletricidade no país (48%), seguida pelas pequenas centrais locais de geração por meio de fontes renováveis (14,4%) e usinas eólicas (14,1%).
Impacto na saúde
A ocorrência simultânea de tantos fenômenos – seca, queimadas, altas temperaturas – é vista como dramática pelo setor da saúde pública. O quadro atual provoca um efeito cascata no corpo humano, com sobreposição de riscos, doenças e agravo.
"O que estamos vivendo hoje é alarmante em todos os sentidos. É um ano atípico pela intensidade, extensão e prolongamento da seca. Isso não pode ser tratado com normalidade. Há grupos que propõem declarar emergência de saúde pública junto com a emergência climática", diz Carlos Machado, diretor do Centro de Estudos e Pesquisas em Emergências e Desastres em Saúde, da Fiocruz.
Os efeitos desta temporada da seca, queimadas e ondas de calor têm variações de acordo com a região. Na Amazônia, por exemplo, o sumiço dos rios causa problemas principalmente relacionados ao consumo de água imprópria para as pessoas.
"Isso agrava também o próprio isolamento. Em alguns lugares, isso vem sobreposto ao impacto das queimadas, que acentuam os problemas respiratórios", analisa Machado, lembrando que esse quadro afeta principalmente os portadores de doenças crônicas, como diabetes e hipertensão.
Christovam Barcellos, pesquisador do Laboratório de Informação em Saúde do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fiocruz, trabalha no monitoramento da situação junto ao governo federal. Ele afirma que a seca tem dificultado que equipes de saúde se desloquem para atender comunidades ribeirinhas e indígenas.
"Há outros casos acontecendo que nem sempre são tão óbvios. Temos observado um aumento de surto de malária em algumas localidades no estado do Amazonas”, diz Barcellos à DW.
É esperado que o número de internações e atendimentos por problemas respiratórios aumente no Sistema Único de Saúde. Acompanhar esses números em tempo real é complexo, já que as informações são inseridas no banco de dados por cada unidade e só depois ficam disponíveis para análises.
Efeito na comida
Na agricultura familiar, o risco de impacto será maior no interior amazônico e no semiárido. A seca extrema no norte do Mato Grosso, Acre e Amazonas trará mais perdas para os pequenos produtores das cidades desse último estado, pois eles estão entre os mais vulneráveis do país.
"Nessa vulnerabilidade a gente considera a capacidade de enfrentamento à seca. Os que têm menos acesso à tecnologia, assistência técnica e renda mais baixa têm menos resiliência", explica Ana Paula Cunha, pesquisadora do Cemaden.
Segundo a avaliação do Cemaden, o risco de seca na agricultura familiar é avaliado considerando o cultivo de feijão e milho não irrigados por serem as principais culturas. São cultivos de subsistência, só o excesso é vendido nos comércios locais.
"Não é só perda de produção. É perda de condição de vida, compromete todo um sistema de agricultura famliar", comenta Cunha. "A pecuária também deve sofrer um pouco, já que as pastagens estão com baixa qualidade devido à falta de chuva e altas temperaturas", complementa.
O último levantamento da safra de grãos 2023/2024 calculou uma produção de 298,41 milhões de toneladas, uma queda de 21,4 milhões de toneladas em relação ao ciclo anterior. Segundo o relatório da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) a culpa é do clima: falta de chuvas na região em algumas regiões e excesso em outras, como no Rio Grande do Sul, prejudicaram o setor, principalmente a soja.
Enquanto busca explicações científicas para o cenário atual, Luz Adriana Cuartas sugere que a sociedade reflita. "Eu acho importante a gente se perguntar o que estamos fazendo com o planeta. Será que a sociedade, os setores da economia, não estão fazendo a conexão de que o modo como tratamos o planeta, queimando, desmatando, tem um efeito direto na natureza, na nossa vida?", questiona.
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