Para a maioria dos brasileiros, as propagandas na televisão e o clima festivo anunciam a chegada do Carnaval. Os tradicionais desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro e de São Paulo são exibidos na mídia durante quatro dias seguidos. Logo depois, a maior festa popular do Brasil acaba e volta só no ano seguinte. Mas para os envolvidos na celebração, será que o Carnaval realmente acaba? E o que fazem as escolas de samba durante o resto do ano?
O portal da TV Cultura conversou com representantes das escolas campeãs dos grupos Especial do Carnaval 2023 do Rio de Janeiro e de São Paulo. Além disso, também falou com o gerente de comunicação da Liga Independente das Escolas de Samba de São Paulo.
Solange Cruz Bichara, presidente da Mocidade Alegre, diz que a folia não acaba quando o resultado é divulgado: “Jamais! Para nós o Carnaval é o ano todo. Mal acabou um a gente já emendou outro”.
De acordo com André Bonatte, diretor de Carnaval da Imperatriz Leopoldinense, depois do anúncio das vencedoras, o Carnaval talvez acabe para o público, mas não para as escolas.
“A sensação não é a de que acabou, porque a gente não acaba, é um ciclo que continua”, destaca o diretor.
Os desfiles terminaram, e agora?
Foto: Reprodução/Instagram@imperatrizleopoldinenseoficial
Após os desfiles das campeãs, as escolas precisam levar de volta as alegorias para seus barracões. Dessa forma, começa um processo de desmontagem do que foi feito, de recolhimento e reciclagem dos materiais e fantasias, além de uma detalhada prestação de contas. Em paralelo a isso, inicia-se a avaliação do evento como um todo, de como o público foi recebido e tratado e de como foram os desfiles e o julgamento do resultado.
Na sequência, as escolas já começam a pensar no Carnaval do ano seguinte. Ou seja, nos enredos, contratações, fantasias, alegorias e ensaios.
Foto: Arquivo/Mocidade Alegre
O que as escolas de samba fazem durante o ano?
Embora as programações anuais variem de escola para escola, o portal da TV Cultura elaborou um esquema genérico, mas que costuma ser aplicado pela maioria das agremiações. Confira:
Foto: Montagem/TV Cultura
Segundo André Bonatte, diretor da Imperatriz, são dois pólos de produção que se encontram. Os da quadra, com elementos de dança, de canto e os chamados “quesitos de chão" e os do barracão, que envolve a parte estética. Este último acontece desde o primeiro semestre do ano, com orçamentos, desenhos e desenvolvimento de protótipos até a confecção das fantasias e dos carros alegóricos.
“Esse processo do carnaval não para em momento algum, é uma engrenagem que funciona nos 365 dias do ano”, afirma Jairo Roizen, gerente da Liga-SP.
Como acontece o concurso de samba-enredo?
Após a divulgação da sinopse do enredo, as agremiações costumam abrir um concurso interno em que diversos grupos de compositores fazem uma música. A canção entra em uma competição em que a “melhor” e “mais adequada” é escolhida para ser apresentada no sambódromo.
“Esses grupos levam o cantor, levam a torcida, é talvez um dos momentos mais importantes porque é onde se escolhe a trilha sonora do desfile, que dá o ritmo ao Carnaval. É talvez a parte mais legal do Carnaval, inclusive”, destaca Jairo.
Para se ter uma ideia da dimensão do concurso, no Carnaval 2023, a Imperatriz Leopoldinense realizou uma disputa envolvendo cerca de 25 sambas-enredo.
“Os desfiles acontecem só em fevereiro, mas eles são apenas a ponta final de um trabalho que acontece durante todo o ano”, enfatiza o gerente de comunicação da Liga.
“Manifestação da cultura nacional”
Foto: Reprodução/Senado Federal
A Lei Nelson Sargento, que homenageia o sambista da Mangueira que faleceu em 2021 em decorrência da Covid-19, passa a reconhecer as escolas de samba como patrimônio cultural e imaterial do Brasil.
Muito mais do que um desfile
Foto: Reprodução/Instagram@imperatrizleopoldinenseoficial
O Carnaval vem se tornando mais do que só o “desfile oficial”, milhares de pessoas trabalham o ano inteiro para fazer a celebração acontecer. Segundo um estudo divulgado pela Prefeitura do Rio de Janeiro, em 2023 a estimativa é a de que 45 mil pessoas trabalharam oficialmente no período do Carnaval. A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) estima que a receita do Carnaval do Brasil deste ano ultrapassou R$ 8 bilhões, número 26,9% maior do que o do ano passado.
Além disso, as escolas costumam participar de projetos sociais e culturais. Algumas delas optam por ações como doações de cestas básicas, campanhas de agasalho, eventos beneficentes, enquanto outras promovem cursos e atividades que incentivam o lado artístico e educacional da comunidade.
“A gente tem aula de balé, escolinha de mestre sala e porta bandeira, escolinha de bateria e de passista”, conta o representante da Imperatriz.
Desfiles fora de época?
Foto: Reprodução/LIESA
Em dezembro, as escolas costumam realizar “mini desfiles” durante a festa do lançamento do CD dos sambas-enredo. Em São Paulo, o evento costuma acontecer na Fábrica do Samba, enquanto no Rio de Janeiro, é a Cidade do Samba que vira palco da celebração.
Na capital paulista, a maior festa do pré-Carnaval do município contou com participação das 34 agremiações filiadas à Liga-SP. Além da elaboração de um álbum físico, as trilhas sonoras dos desfiles também são lançadas nas plataformas digitais.
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“Carnaval como remédio”
Foto: Reprodução/Instagram@imperatrizleopoldinenseoficial
Depois de 22 anos de jejum, a Imperatriz foi a campeã do Carnaval do Rio em 2023 no grupo Especial, trazendo como enredo a história de Lampião. Ao falar sobre a sensação da vitória, o diretor da agremiação, André Bonatte, diz que diferente de quando um time de futebol ganha, na escola de samba todos que estão ali são responsáveis pela vitória.
“É o nosso trabalho que está em jogo”, destaca.
Contando a história de "Yasuke", um imigrante africano que se tornou um dos mais respeitados samurais no Japão, a Mocidade Alegre também alcançou o 11º título em 2023 no Carnaval da capital paulista. Solange Cruz, presidente da escola, diz que o sentimento é de dever cumprido.
“Como presidente, é claro que eu fico feliz, mas eu fico ainda mais feliz pela comunidade ter alcançado êxito e ter visto o esforço de todos juntos, é um mérito de toda a comunidade”, afirma Solange.
Portanto, é possível notar que os desfiles são, na verdade, o resultado de inúmeros processos que ocorrem ininterruptamente durante todo o ano. De acordo com André, as escolas de samba têm todo esse potencial pois são capazes de unir as mais variadas formas de arte, funcionando como uma espécie de “esponja cultural”.
“Para quem vive tudo isso, o Carnaval é como um remédio. O papel da celebração vai muito além de uma disputa de dois ou três dias. A escola de samba tem um poder de cura, não tenho dúvidas que nela as pessoas são mais felizes”, finaliza o diretor de Carnaval da Imperatriz.
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