Julio 'Gorila' é um dos fisiculturistas que mais chama a atenção dos fãs do esporte. Um dos melhores brasileiros da categoria Classic Physique (categoria na qual o limite de peso se dá pela altura, onde é buscado um físico mais proporcional e estético), ele opta por um estilo diferente da maioria de seus colegas de profissão e já experimentou o veganismo. Em entrevista exclusiva ao site da TV Cultura, o atleta contou diversas histórias e explicou a filosofia de sua alimentação.
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Início da carreira
Julio sempre gostou de praticar esportes. Antes de se apaixonar pela musculação, chegou a se aventurar no basquete e no futebol. Aos 15 anos de idade, teve sue primeiro contato com a academia: "Fiz um mês só, porque eu trabalhava das 6h às 18h e ia para a escola - fazia o ensino médio noturno. Então fiz o primeiro mês e desisti."
Também durante a adolescência, decidiu deixar os esportes coletivos por não se sentir "completo", uma vez que, em um time, é preciso que todos se dediquem. "Se eu desse meus 100%, mas alguém do time não desse, eu já não teria o resultado desejado. Sabe como são os esportes coletivos. Tem que ter muita junção, se não o pessoal vai ficar jogando um para o outro", lembra.
Aos 19 anos de idade, o atleta se viu diante de uma situação complicada: Sua mãe, com quem residia, decidiu deixar São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. Com isso, o jovem não tinha onde ficar. Foi então que decidiu investir todo o seu dinheiro em uma academia.
"Eu não tinha nenhuma casa, não tinha onde morar. Como eu trabalhava desde os 14 anos, eu tinha um valor guardado. Vi que a academia na qual eu treinava estava à venda... o valor que estavam pedindo era exatamente o valor que eu tinha na minha conta. Pensei muito ali, foi realmente algo em que eu tive que ter muita fé. Era uma academia, e não uma casa. Ou seja, não tinha geladeira, cama, micro-ondas, etc. Mas eu sentia que eu deveria fazer isso, mesmo as pessoas da minha família sendo contra. E foi ali que começou tudo", conta o fisiculturista.
“Com meus 19, 20 anos, eu pesava 56kg. Foi assim que eu comecei, com 1,81m. Minha média, morando na academia, foi um aumento de 20kg por ano. Então, basicamente, fui indo e consegui chegar no meu maior peso, que foi de 142kg. Claro, ali foi puxando uma gordura, uma retenção. Não era um shape estético, parecia um strongman, um powerlifter. Até porque eu pegava muito peso naquela época, eu priorizava isso. Vamos dizer que ali era o ‘Gorila primitivo’. Comia de tudo, treinava de qualquer jeito, só queria levantar peso. Tudo bem arcaico. Isso também dá certo, de certa forma, mas não por muito tempo. Foi assim que eu construí a ‘estrutura’ do meu corpo”, afirma o atleta.
Seis anos após decidir morar na academia e retornar a praticar musculação, Gorila viu a vontade de competir nos palcos de fisiculturismo crescer. Em pouco mais de quatro meses, perdeu 33kg para adquirir o condicionamento necessário e estreou no campeonato paulista, no qual ficou em quinto lugar. No mesmo ano, participou outros quatro shows e conquistou o título sul-americano da Nabba.
Retorno ao Brasil
Em 2018, Gorila se mudou para os Estados Unidos com o intuito de conquistar o seu pro card ("cartão profissional" em inglês). Foi então que, no Olympia Amador, venceu o Overall (disputa entre os campeões de todas as divisões da categoria) da Classic Physique e se tornou um fisiculturista profissional.
Mesmo com o sucesso em sua carreira, a vontade de Julio era de retornar ao seu país: "Eu tinha aquela impressão do ‘sonho americano’, achava que só de ir para os EUA as coisas dariam certo automaticamente. Depois, eu entendi que a vida é muito mais sobre o que você é, e não onde você está. Eu tinha essa intuição de voltar para o Brasil".
"Quando eu saí do Brasil, eu dei tudo o que eu tinha, o que já não era muito. Vendi a academia. Depois, fui para São Paulo, para tentar trabalhar a minha imagem. Quando eu voltei dos EUA, eu não tinha nada. Foi como um recomeço", completa.
Ao voltar, dividiu um apartamento de 19m² com um amigo. Um fato curioso é que, com o primeiro dinheiro que conseguiu juntar após o retorno na capital paulista, o atleta - que sequer tinha uma cama - comprou um espelho: "Assim como um artesão tem que olhar para sua arte para moldá-la, um fisiculturista precisa enxergar seu corpo para ver o que precisa ser melhorado... É daí que vem a fluidez, a arte da pose, a conexão entre mente e músculo."
Dieta sem carne
Uma passagem importante na vida de Julio aconteceu quando, diante da falta de condições financeiras para comprar carne diariamente, decidiu optar pelo veganismo. "Quando eu estava nessa condição financeira mais difícil, eu realmente quase não tinha dinheiro para comprar comida", ressalta.
"Isso juntou com o fato de que, um tempo atrás, eu havia começado a estudar muito sobre a saúde do corpo humano, coisas como medicina oriental, que é algo milenar. Comecei a perceber que eu tinha muita espinha, porque a alimentação de um bodybuilder acaba sendo muito ácida - por conta do alto volume de carnes. Com a dieta, os hormônios, tudo, o organismo acaba ficando com o pH mais ácido, e fica mais suscetível a inflamações. Tendo isso em vista, comecei a estudar mais sobre o pH dos alimentos, sobre a combinação deles… decidi testar o veganismo direto, só fontes de proteína vegetal", explica.
Apesar de ter voltado a ingerir alimentos de origem animal e até mesmo carne vermelha, o fisiculturista aponta os benefícios que sentiu durante sua fase vegana: "Percebi que eu rejuvenesci. Meu corpo ficou muito mais ‘limpo’. A digestão ficou mais leve, de certa forma. Eu me senti mais elevado espiritualmente. Mais calma, mais serenidade… consegui ali ‘desbloquear’ uma visão para uma vida que eu não tinha. Até hoje eu levo, mesmo comendo carne."
Julio também diz que voltou a comer carne após estudar as diferentes dietas que se encaixam em cada tipo sanguíneo. Para ele, particularmente, o ideal é uma alimentação baseada em proteínas de fonte animal e vegetais. "Se você for pensar que todos os 8 bilhões de seres humanos são divididos em quatro grupos (sanguíneos) - O, A, B e AB. Cada um deles se dará melhor com alguns alimentos do que com outros, até porque cada um deles veio de uma região diferente", frisa.
Para ele, "quando a gente fala de um fisiculturista, a gente fala de alguém que precisa mostrar os músculos de forma aparente. Se ele estiver com o organismo inflamado, aquela camada de água sob a pele vai impedir a visualização dos músculos. Então, basicamente, eu comecei a mudar um pouco a minha dieta".
Comer de três em três horas é melhor?
Outra peculiaridade de Gorila é que, enquanto a maioria dos fisiculturistas comem de cinco a sete refeições diárias, ele prefere se alimentar apenas três vezes ao dia. No início da carreira, o atleta até se enquadrava nos "moldes do fisiculturismo moderno", mas mudou sua visão a respeito da fisiologia humana posteriormente.
"Comecei a implementar o jejum intermitente. Isso faz com que você tenha menos janelas para as refeições", afirma. Segundo o fisiculturista, fazer diversas refeições ao longo do dia "desacelera o metabolismo e, consequentemente, pode causar problemas crônicos no intestino a longo prazo, porque ele nunca descansa. Geralmente, a comida pode demorar até 36 horas para ser processada e sair do seu corpo. Se a pessoa come de três em três horas, não dá uma pausa, o intestino vai estar trabalhando sempre. Ele sempre vai estar cansado. É como se eu dormisse e corresse ao mesmo tempo."
Por fazer menos refeições do que o comum, as quantidades que Gorila coloca em seu prato podem ser impressionantes para pessoas que não estão habituadas com o assunto. "O máximo que eu já fiz em uma refeição só, depois que eu comecei a fazer o jejum intermitente, foi de 3,3 kg. Era cerca de 800 gramas de carne e quase 2,5kg de purê de batata doce… foi uma refeição fora do normal. Geralmente, eu como um pouco mais de 1kg por refeição", frisa.
Por fim, ele explica sua rotina alimentar e garante que seu principal objetivo com as particularidades é uma "digestão limpa": "Minha refeição mais pesada, geralmente, é a segunda do dia. Na primeira, eu como mais vegetais, folhas - índices glicêmicos mais complexos - e alguma proteína mais leve, como por exemplo peixe. Depois, eu treino, volto e faço a segunda, mais pesada. Na última, não costumo colocar muito carboidrato, prefiro proteínas e gorduras."
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