Por que orientais ficam vermelhos quando consomem bebida alcoólica? Especialistas explicam
Manifestação está relacionada à uma deficiência enzimática que pode acarretar em outros problemas, como intoxicação e câncer
23/07/2021 11h30
“Quando bebo álcool, meus olhos, rosto e corpo ficam vermelhos e inchados" - esse é o relato de Cássio Toshiyoka, publicitário de 44 anos. Mestiço, com pai japonês e mãe italiana, ele é mais um oriental que tem caso de vermelhidão após ingerir bebida alcoólica.
Cássio descobriu o problema na adolescência. “Foi nos primeiros porres de adolescente, as primeiras vezes que bebi e senti os efeitos do álcool de verdade. Como dá para imaginar, não tinha como esconder que bebi, então cheguei em casa e levei bronca dos meus pais. Eles nunca beberam, então não sabiam desse fato”.
O publicitário conta que os outros dois irmãos, que são mestiços como ele, também sofrem com a vermelhidão. “Eles ficam iguais. Não precisamos beber muito, só um pouco e já fica visível. Isso acontece somente quando começamos a tomar algo, algumas horas depois essa vermelhidão some, mesmo se ainda estiver bebendo. No meu caso, fico até meio pálido após esse estágio”.
A fama de que os japoneses ficam vermelhos quando bebem é tão real que, em inglês, a reação de ficar com o rosto avermelhado após o consumo de álcool é conhecida como “asian flush”, justamente em menção à essa característica especialmente asiática.
Para explicar porque isso acontece, o site da TV Cultura conversou com alguns especialistas.
O alergista José Roberto Zimmerman esclarece que a vermelhidão e o inchaço são sintomas decorrentes de uma deficiência enzimática e afirma que isso pode levar à intoxicação e ao câncer.
“Parte do álcool ingerido é convertido em acetaldeído pela enzima ALDH2 ou desidrogenase alcoólica, que é inativa nos asiáticos, não permitindo a metabolização do acetaldeído no fígado. Ou seja, uma deficiência enzimática”, explica. “Nas pessoas portadoras desta mutação, o risco de câncer de esôfago é 100 vezes maior”, acrescenta.
Isso ocorre por uma variação genética que acontece em 40% da população do leste asiático, cerca de um bilhão de pessoas, e é bastante rara em outras populações.
Zimmerman explica o funcionamento dessa enzima no organismo: “Depois de ingerido, o álcool passa para o sangue. Depois de descer para o intestino, chega a quase todos os tecidos do corpo e, por fim, é filtrado no fígado que o transforma em acetaldeído e depois em ácido acético. As duas etapas devem ocorrer rapidamente, pois o acúmulo de acetaldeído, além de rubor e mal estar, pode causar danos no material genético das células levando ao aparecimento de tumores e doenças neurodegenerativas. Ao se transformar em ácido acético, o acetaldeído torna-se inofensivo”.
Para amenizar os sinais de vermelhidão e inchaço decorrentes do consumo de bebida alcoólica, o alergista sugere a pesquisa de substâncias que ativam a enzima ALDH2, batizadas de Alda-1, presentes em alguns medicamentos. Também é recomendado diminuir ou moderar o consumo de álcool.
Além do prejuízo no organismo a longo prazo, essa deficiência enzimática pode acarretar outros problemas momentâneos, como taquicardia, náusea e mal estar, esclarece Rafaella Caruso, dermatologista do Hospital Santa Catarina.
Ela pontua, no entanto, que ter apenas a vermelhidão na face após consumo de álcool pode ser comum em pacientes não asiáticos. “O álcool por si só causa vasodilatação na pele, e quem possui rosácea também pode notar aumento da vermelhidão após consumo. Então nem toda vermelhidão após consumo de álcool é igual a deficiência enzimática”.
A dermatologista conta ainda que, além dessa mutação, os asiáticos têm maior tendência de ter outros problemas de pele, como alterações pigmentares, por exemplo: hipercromia pós-inflamatória (quando ocorre mancha após qualquer tipo de inflamação na pele), sardas, melanoses (manchas de sol) e melasma.
“Entre as doenças de pele, apresentam comumente quadros de acne e dermatite atópica, que ocorre por uma alteração na barreira da pele, que resseca com facilidade e o suor irrita uma pele que já está sensível”, diz.
Questionado sobre como lida com os sinais após ingestão de álcool, Cássio diz que não tem muito o que fazer. “Para mim sempre foi normal. Quem não me conhece, assusta, acha que estou passando mal, mas sempre explico que é tranquilo. Hoje em dia não bebo com muita frequência, às vezes tomo um vinho no final de semana, mas esses efeitos sempre aparecem”.
O publicitário finaliza seu relato em tom de brincadeira: “O fato é que se eu beber uma lata, uma dose que seja, não tem como esconder e disfarçar, todo mundo percebe”.
Leia também: Instituto Butantan entrega um milhão de doses da CoronaVac ao PNI; IR 2021: Receita libera consultas ao 3º lote de restituição nesta sexta-feira
REDES SOCIAIS