No dia 21 de agosto de 2017, o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmou sobre o conflito no Afeganistão: “Nossas tropas lutarão para vencer. Vamos lutar para vencer. A partir de agora, a vitória terá uma definição clara. Atacando nossos inimigos, obliterando o ISIS (Estado Islâmico), esmagando a Al Qaeda, impedindo o Talibã de assumir o controle do Afeganistão e parando ataques terroristas em massa contra os Estados Unidos antes que eles surjam”.
Em 2020, Trump anunciou a redução das tropas no Afeganistão. Neste ano, o governo decidiu retirar o exército norte-americano do país, 20 anos após o início de uma guerra que teve como justificativa inicial combater o Talibã, a Al-Qaeda e seu líder, Osama Bin Laden, responsável pelo ataque às Torres Gêmeas em 11 de setembro de 2001, morto no Paquistão em maio de 2011.
Duas décadas se passaram e o Talibã retornou ao poder, destituindo o governo do Afegão e fincando sua bandeira carregada de preceitos deturpados do islã. Tudo isso tem sido analisado como uma derrota dos Estados Unidos.
A complexidade do assunto se dá na pergunta que intitula esta matéria. O que deveria ser considerado uma derrota? E uma vitória? O Afeganistão independente e democrático, livre da ocupação militar americana, ou controlado por um regime extremista?
Em entrevista ao site da TV Cultura, o jornalista e pesquisador iraniano de humanidades e estudos sociais com foco no Afeganistão e no Oriente Médio Fariborz Mohammadkhani aponta a saída como estratégica e destaca alguns conflitos já existentes na região.
“Não presumo que a evacuação dos Estados Unidos do Afeganistão seja uma derrota. O Afeganistão é cercado por países, todos eles têm conflitos com Estados Unidos. Rússia e Turquia, não podemos chamá-los de vizinhos, mas são peças importantes no Afeganistão, e acho que a evacuação foi uma forma de colocar esses interesses em conflito um com o outro”.
O Afeganistão é um país localizado no centro da Ásia e faz fronteira com outros seis países: Paquistão, Irã, Turcomenistão, Uzbequistão, Tadjiquistão e China. “Essa terra é perigosa e não pertence a ninguém. É potencial para guerra”, afirma Mohammadkhni sobre o Afeganistão.
Entre os séculos XIX e XX, o país afegão foi palco para conflitos com a Inglaterra. Em 1979, em meio a Guerra Fria, a União Soviética invadiu o território e foi derrotada por milícias locais, financiadas pelos Estados Unidos, que visavam derrotar o socialismo no mundo.
Com a derrota da URSS, as milícias foram deixadas pelo país norte-americano com armamento e conhecimento de batalha, e então se iniciou uma guerra civil no território que vai de 1994 a 1996, até que o grupo extremista islâmico Talibã assume o poder, onde fica até 2001, quando os Estados Unidos invadem o Afeganistão.
A saída das tropas norte-americanas do território afegão neste mês deixou um vácuo e escancarou, além da fragilidade do poderio militar do governo afegão, conflitos e interesses de países ao redor do território na região.
Para Mohammadkhni, com a evacuação abre-se uma lacuna em que a China e a Rússia tomam a frente para decisões.
Em entrevista coletiva, a porta-voz russa Maria Zakharova responsabilizou o presidente do Afeganistão Ashraf Ghani por “perder a oportunidade de garantir o sucesso do processo de paz intra-afegão e facilitar a formação tranquila de um governo inclusivo com a participação de todas as forças etno políticas do país”.
Zakharova destacou o comentário feito pelo ministro das Relações Exteriores, Sergey Lavrov, afirmando que a Rússia “defende um diálogo nacional que levará à formação de um governo representativo que, com o apoio dos cidadãos do Afeganistão, prosseguirá com o desenvolvimento de acordos políticos neste país multiétnico”.
O pesquisador iraniano aponta a preocupação do país russo com a inserção de grupos extremistas islâmicos em seu território e no de seus aliados, Turcomenistão, Uzbequistão e Tadjiquistão. A Ásia Central é conhecida como o ‘quintal’ da Rússia. Mohammadkhni aponta o Afeganistão como um território interessante geopoliticamente e ao mesmo tempo perigoso para os russos. Vale destacar que a União Soviética invadiu o país em 1979 sob pretexto de combater forças paramilitares islâmicas insurgentes.
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Mohammadkhni destaca a presença da China no país afegão como outro interesse da Rússia. Para o especialista, as duas potências poderiam se unir, mas mudanças na dinâmica podem acontecer e, para o iraniano, a China não possui experiência em território conflituoso.
No dia 16 de agosto, um dia depois da tomada de poder pelo Talibã, o porta-voz chinês, Hua Chunying, disse que o país deseja estabelecer “relações amistosas” com o Taleban.
"A China respeita o direito do povo afegão de determinar de forma independente seu próprio destino e está pronta para desenvolver relações amistosas com o Afeganistão e para desempenhar um papel construtivo na paz e reconstrução do Afeganistão", disse Chunying.
O país divide uma fronteira de 76 quilômetros na região de Xinjiang, que abriga população muçulmana uigur. Os chineses têm receio de que com a ascensão do Talibã grupos islâmicos residentes na região ganhem forças
O ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yib, se reuniu com o representante do Talibã, Abdul Ghani Baradar, no último mês e expressou suas expectativas sobre a organização islâmica.
"Esperamos que o Taleban se una a todos os partidos e grupos étnicos no Afeganistão para estabelecer uma estrutura política ampla e inclusiva que se adapte às suas próprias condições nacionais para estabelecer as bases para a realização de uma paz duradoura no Afeganistão", afirmou Wang Yib.
“Se a China entrar, eles não podem lidar com isso. A China tem interesse em ocupar a posição dos EUA, mas depende de atores externos no Afeganistão. Em um futuro próximo, se o ISIS aparecer em território afegão as coisas podem mudar”, destaca Mohammadkhni.
Na último dia 26, explosões deixaram mortos, incluindo crianças, no aeroporto internacional Hamid Karzai em Cabul, única saída para estrangeiros e afegãos saírem do país em voos de retirada. Países desconfiam que o ataque tenha sido realizado pelo Estado Islâmico (ISIS).
O presidente do Conselho Superior para a Reconciliação Nacional, Dr. Abdullah Abdullah, chamou o atentado de “ataque terrorista”.
Mohammadkhni desabafou, “A situação no Afeganistão é triste, tenho pena das pessoas lá. Eles não deveriam viver isso. Muitas vidas foram destruídas, muitas famílias perdidas. É uma tragédia para meninas, atletas, estudantes, artistas, elas devem ficar em silêncio ou se colocarão em perigo. O Talibã não é uma brincadeira”.
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