As fortes chuvas, ocorridas no litoral norte do estado de São Paulo, em fevereiro, causaram enchentes, desabamentos e inúmeras mortes. Casos como esses estão cada vez mais comuns no Brasil. No ano passado, a cidade de Petrópolis, no Rio de Janeiro, também sofreu com o alto volume de chuvas. Os desastres ambientais mais frequentes podem estar ligados com as mudanças climáticas e a degradação do meio ambiente.
As mudanças climáticas são transformações a longo prazo nos padrões de temperatura e clima. O site da TV Cultura conversou com o meteorologista Marcelo Enrique Seluchi, que atualmente é coordenador geral de operações do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN). O especialista explica como as mudanças climáticas impactam em desastres naturais e como o mundo lida com isso.
A degradação do meio ambiente não é algo do século XXI. Desde o século XVIII, época da Revolução Industrial, as atividades humanas têm sido a principal causa das mudanças climáticas, principalmente por conta da queima de combustíveis fósseis (como carvão, petróleo e gás), que produzem gases que retêm o calor.
Segundo a ONU, a queima de combustíveis fósseis gera emissões de gases de efeito estufa que agem como um grande cobertor em torno da Terra, retendo o calor do sol e aumentando as temperaturas.
Marcelo Seluch aponta que a temperatura média do Planeta Terra aumentou cerca de 1.1 grau, o que não parece ser alto, mas que pode gerar preocupações para o meio ambiente. “Não é apenas a temperatura média que está aumentando, está aumentando a variabilidade dessa temperatura média. Ou seja, extremos quentes e extremos frios, nós estamos sofrendo com uma maior frequência de onda de calor e episódios frios muito intensos. Os fenômenos extremos estão se tornando cada vez mais frequentes, com recordes de temperatura tanto para cima quanto para baixo”, afirma.
O meteorologista cita dois exemplos recentes sobre recordes de temperaturas. Em 2022, os países do continente europeu registraram altas temperaturas durante o verão. O Reino Unido, por exemplo, chegou à maior temperatura da sua história, os termômetros nos arredores do Aeroporto de Heathrow, em Londres, marcaram 40,2°C.
Em contrapartida, os Estados Unidos sofreram, no início do ano, com o frio intenso. Os estados de Montana, Dakota do Sul e Wyoming, por exemplo, registraram temperaturas de até -45 °C. Em algumas cidades, houve mortes, e ao menos 50 morreram nas tempestades.
“Está aumentando as frentes frias e também estão ficando mais intensas. Então, são dois fatores que traduzem numa maior frequência os desastres”, acrescenta o especialista.
Tragédias no Brasil
No Brasil, os desastres ambientais também estão acontecendo com mais frequência e com maior intensidade. Ano passado, a cidade de Petrópolis, no Rio de Janeiro, registrou um alto volume de chuvas, o município registrou o acumulado de 530 milímetros em 24 horas. Antes, o maior índice havia sido registrado em Florianópolis, Santa Catarina, em 1991, com um acumulado de 400 mm em apenas um dia.
A tragédia deixou 4 mil desabrigados ou desalojados e 235 mortos. Mas o evento ocorrido em Petrópolis não foi isolado. Neste ano, o litoral norte de São Paulo sofreu com um acúmulo grande de chuvas.
Foram 682 milímetros em apenas um dia. A informação foi divulgada pelo governo estadual. O temporal registrado no litoral norte, segundo o Centro Nacional de Previsão de Monitoramento de Desastres, resultou no acumulado de 682 mm em Bertioga, 626 mm em São Sebastião, 337 mm em Ilhabela, 335 mm em Ubatuba e 234 mm em Caraguatatuba.
São Sebastião foi um dos municípios mais afetados. O local sofreu com deslizamentos de encostas e alagamentos. Mais de 60 pessoas morreram por conta das chuvas.
Eventos extremos como esses podem ter diversas causas, inclusive o impacto das mudanças climáticas.”É muito difícil a culpa ser exclusivamente das mudanças climáticas, não dá para dizer isso, mas se você começa a juntar as peças, e falar que essa temática provoca um sistema mais extremo. É quase lógico que você vai ter episódios de chuva mais intensas”, destaca Seluch.
Segundo o meteorologista, os 10 casos de maior chuva na história mostram que os quatro primeiros aconteceram nos últimos dois anos.
Marcelo Seluch aponta quais razões podem estar atreladas aos desastres ambientais que estão cada vez mais frequentes no Brasil. Não são apenas os volumes das grandes chuvas que o país enfrenta, a seca também vem sendo vista em algumas partes do país. A região Sul, por exemplo, sofre com a estiagem, a falta de chuvas provocou uma queda na produção de soja, com um tombo de 11,4% ante 2021.
Um dos problemas enfrentados pelo país, segundo o especialista do Cemaden, é a falta de planejamento urbano e a construção irregular de imóveis em encostas, morros e em lugares proibidos. Esses fatores podem agravar os episódios e causar mais destruição.
O Governo Federal estima que atualmente cerca de 4 milhões de pessoas moram em áreas consideradas de risco. Esses locais podem, por exemplo, sofrer com tragédias causadas por fortes chuvas, como deslizamentos e enchentes.
“O que aconteceu em São Sebastião, se tivesse acontecido em outra cidade mais resiliente, como Brasília, que é uma cidade mais plana, não teria provocado o número de vítimas que provocou. Nós temos um número muito elevado de pessoas no Brasil morando em áreas de risco, isso vem de muitas décadas, quando não se tinha consciência dos desastres, quando não existia previsões meteorológicas. Hoje, nós estamos reparando o aumento dos eventos extremos, e com o aumento da população, essa é a receita perfeita para você ter um maior número de desastres”, pontua Seluch.
O meteorologista alerta ainda que as previsões sobre desastres esperadas para o futuro já estão sendo observadas nas séries históricas de hoje.
Ações governamentais
Marcelo Seluch acredita que o poder público também tem responsabilidade em ações de combate às tragédias. De acordo com ele, houve falta de planejamento e responsabilidade de agentes públicos a respeito de construções em áreas de risco. “Hoje, a percepção está mudando. Esse debate está sendo cada vez mais recorrente, conversou muito quando houve a tragédia de Petrópolis, a mesma conversa voltou agora sobre São Sebastião. A sociedade, como todo o poder público, estão tomando maior consciência sobre o tema”, diz.
Segundo o meteorologista, ainda há uma dificuldade mundial para enfrentar as mudanças climáticas e diminuir o efeito estufa. Questões políticas e econômicas travam os avanços, mesmo com os acordos firmados em conferências mundiais, como o Acordo de Paris, por exemplo. Sem as discussões e medidas, as mudanças continuarão progredindo e os impactos ficarão cada vez mais frequentes.
“O que resta é adaptação, a sociedade agora vai ter que se adaptar. A reformulação passa pelo planejamento urbano, para evitar que a pessoa construa em áreas sucessivas a deslizamentos, inundações e outros tipos de fenômenos extremos”, afirma.
Para o planeta não cair em ponto de não retorno, quando as mudanças climáticas se tornam irreversíveis, como, por exemplo, o mar inundar toda a área costeira, é necessário que uma série de ações sejam tomadas, tanto do ponto de vista da sociedade, como medidas governamentais.
Uma das ações mais urgentes é diminuir a emissão do efeito estufa, mas ela não é a única. As medidas passam pelo uso de combustível renovável, como o etanol, o uso menos frequente de carros para deslocamentos, a diminuição do desmatamento, entre outras.
“Os cidadãos comuns também têm atitudes para fazer. É muito importante evitar jogar lixo em qualquer lugar. Se você jogou uma garrafa d'água na rua, essa garrafa vai entupir um bueiro e esse bueiro vai funcionar de forma deficiente numa enxurrada. Se a gente construir numa encosta, isso modifica o terreno, isso modifica e tira uma proteção natural”, exemplifica.
"É uma batalha de todos, não é apenas batalha dos governantes. Todos nós precisamos fazer a nossa parte”, completa Marcelo Seluch.
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