Fundação Padre Anchieta

Custeada por dotações orçamentárias legalmente estabelecidas e recursos próprios obtidos junto à iniciativa privada, a Fundação Padre Anchieta mantém uma emissora de televisão de sinal aberto, a TV Cultura; uma emissora de TV a cabo por assinatura, a TV Rá-Tim-Bum; e duas emissoras de rádio: a Cultura AM e a Cultura FM.

CENTRO PAULISTA DE RÁDIO E TV EDUCATIVAS

Rua Cenno Sbrighi, 378 - Caixa Postal 66.028 CEP 05036-900
São Paulo/SP - Tel: (11) 2182.3000

Televisão

Rádio

Getty Images
Getty Images

Imagine sair de casa para trabalhar ou para ir à escola sabendo que está correndo risco de vida em decorrência do calor. Essa já é uma realidade em diversos países. Julho de 2023 bateu o recorde de mês mais quente já registrado no planeta desde que a medição começou a ser realizada em 1991, pelo observatório Copernicus. Registros como esse indicam que ondas de calor e catástrofes associadas ao aquecimento global tendem a ser cada vez mais comuns.

A princípio, as consequências da crise climática podem parecer distantes da vida dos brasileiros. Entretanto, inúmeras evidências já demonstram que esses efeitos afetam diretamente o país, principalmente no campo da saúde. 

Nessa reportagem, o portal da TV Cultura buscou entender, por meio de dados e especialistas, quais os reais impactos do aquecimento global no dia a dia da população brasileira. 

“Antropoceno”: a era do colapso ambiental

Mapas das mudanças na temperatura terrestre ano a ano, de 1850 a 2020 - Foto: IPCC/Ed Hawkins

Cientistas já admitem que estamos vivendo num tempo em que os impactos das atividades humanas estão interferindo e causando vários transtornos no clima e na biodiversidade do planeta. A essa chamada ‘nova era geológica’ moldada pela humanidade, utiliza-se o conceito “antropoceno”.

Embora o termo ainda seja considerado uma hipótese científica, é quase que unânime entre os especialistas o fato de que os humanos estão mudando drasticamente os processos naturais da Terra.

“Antes era um assunto de ambientalistas e ecologistas. Hoje, a gente já consegue ver as consequências no dia a dia e nos noticiários”, afirma Ivens Drumond, especialista em direito ambiental e membro da equipe do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS).

Na última semana, o Brasil registrou recordes de temperaturas em pleno inverno. Os alertas meteorológicos indicaram temperaturas acima dos 40ºC em diversas cidades do país. Na última quarta-feira (23), por exemplo, a cidade do Rio de Janeiro chegou a marcar 39,2ºC, a maior temperatura da estação. Belo Horizonte foi outro município recordista, registrando a temperatura mais alta para o mês de agosto em 60 anos. 

Mapa que demonstra a onda de calor que afetou o Brasil na última semana - Foto: Reprodução/MetSul

As temperaturas elevadas estão de acordo com as previsões feitas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que indicam que, com o aquecimento global, regiões do Nordeste e da Amazônia terão aumento de temperatura junto a processos de desertificação, enquanto no Sul e no Sudeste a previsão é de aumento do calor com excesso de precipitação.

Veja imagens: Webstory: Crise climática afeta a sua saúde mais do que você imagina; entenda

“Não é que vai chover mais, é que chove em um dia o que estava previsto para o mês inteiro, como acontece no litoral norte de São Paulo, por exemplo”, destaca Thais Mauad, médica e professora do Departamento de Patologia da Universidade de São Paulo (USP).

De acordo com a professora, essas ondas de calor já são associadas com o aumento das taxas de mortalidade. Um estudo publicado em julho deste ano pela revista Nature Medicine indicou que mais de 61 mil pessoas morreram em decorrência do calor na Europa durante o verão de 2022.

Por mais que o calor e o próprio aquecimento global seja um assunto bastante recorrente em noticiários e nas conversas de rotina, é comum que muita gente ainda se pergunte: "mas o que isso vai afetar a minha vida?". Pensando nisso, o portal da TV Cultura elencou oito possíveis impactos da crise climática na saúde e no cotidiano dos brasileiros.  

1º - Doenças ligadas a vetores por meio da água

Com o aumento das chuvas e o sistema de água e de esgoto prejudicado, pode haver uma possível contaminação hídrica, acarretando num aumento de doenças causadoras de sintomas como a diarreia.

Nesses casos, diversos microrganismos como vírus e bactérias podem ser transmitidos. Um dos exemplos é a leptospirose, em que a contaminação se dá pela urina do rato, sobretudo em grandes inundações de ambientes urbanos.

2º - Aumento de vetores

Em condições de umidade e calor elevados, vetores como pernilongos, pulgas, mosquitos e ratos tendem a se reproduzir em maior velocidade. Por consequência, aumentam os casos de doenças como a dengue.

3º - Zoonoses emergentes

Com o aumento do desmatamento, agentes infecciosos que estavam dentro de florestas passam a ser expostos. A contaminação pode ocorrer diretamente ou via animais, como morcegos ou mosquitos.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o crescimento dessas zoonoses aumenta o risco para o surgimento de novas pandemias, como foi o caso da covid-19.

4º - Doenças ligadas à desertificação

Com problemas no plantio e perda na produtividade, aumenta a insegurança alimentar e casos de desnutrição. Problemas nas safras já puderam ser observados no Sul do Brasil ou mesmo na Espanha, em que os longos períodos de seca tiveram como consequência recente o aumento do preço do azeite de oliva.

5º - Plantas menos nutritivas

Diversas pesquisas já indicaram que as altas concentrações de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera podem resultar em plantas menos nutritivas. Dessa forma, alimentos passam a ter redução de proteínas, ferro e zinco.

6º - Doenças graves em decorrência do calor

Bebês, crianças e idosos, que não conseguem regular bem as temperaturas corporais, são os mais afetados. Pessoas com problemas cardíacos ou respiratórios, como as diagnosticadas com asma ou bronquite, também se encontram no grupo de maior risco frente ao aquecimento.

No mês passado, a Organização Meteorológica Mundial (OMM), da ONU, fez um alerta para o aumento do risco de ataques cardíacos e mortes devido às altas temperaturas durante a noite no Hemisfério Norte.

“Quando está muito quente, o seu corpo se adapta a liberar calor do corpo, produzindo suor e criando uma vasodilatação. Organismos com doenças cardíacas têm dificuldade em fazer isso, o coração não responde bem a essas mudanças de fluxo. Além disso, tem a desidratação e a poluição, que podem agravar os casos”, afirmou a médica Thais Mauad ao portal da TV Cultura.

Foto: Reprodução/Agência Brasil 

Em algum momento da vida, você já deve ter dito ou escutado a frase “mudou o tempo, fiquei resfriado”. A sensação não é à toa. As variações bruscas do tempo podem causar reações nas células do corpo ou do pulmão, predispondo a infecções virais e exacerbações de doenças.

7º - Impactos das doenças mentais

Já ouviu falar em “ecoansiedade”? Segundo a Associação Americana de Psicologia (APA), o termo é definido como sendo o "medo crônico da catástrofe ambiental".

“Imagine se você mora numa região que desmorona, quando começa a chover as pessoas já entram em estado de ansiedade ao pensar que a casa construída pode não resistir. Ou imagine se você é um fazendeiro que por conta da seca tem medo de perder toda a sua produção”, destaca a professora do Departamento de Patologia da USP.

Embora a “ecoansiedade” não seja considerada uma patologia propriamente dita, ela pode desencadear transtornos psicológicos ou a se somar a outras doenças mentais.

Foto: Reprodução/GOVBA

Segundo um levantamento publicado na revista The Lancet em 2021, jovens entre 16 e 25 anos estão entre os grupos mais afetados pela ansiedade climática. Entre as 10 mil pessoas ouvidas no estudo, 39% disseram que a crise climática afeta negativamente a intenção de ter filhos. Além disso, a pesquisa também apontou que os casos mais graves ocorrem onde há maior índice de eventos extremos relacionados aos problemas socioambientais.

“Essa ansiedade tem muito a ver com a incerteza do futuro, a gente não sabe como vamos estar vivendo ou se vamos estar vivendo daqui a alguns anos. Nem nós, nem nossos filhos e netos”, aponta Drumond.

Vale mencionar que estudos científicos realizados em diversos países também relacionam as elevadas temperaturas com o aumento da violência e, inclusive, de casos de suicídio.

8º - Consequências imprevistas na medicina

Os efeitos da crise climática podem abranger desde uma zoonose emergente desconhecida até consequências que ainda nem sequer foram pensadas no âmbito médito, como possíveis reações das células humanas em contato com as altas temperaturas por um longo prazo.

A professora Thais Mauad diz que aos poucos vão surgindo novas questões, que ainda permanecem sem respostas definidas.

“Uma pessoa que trabalha varrendo as ruas, com temperaturas acima de 40 ºC ela vai poder trabalhar? As crianças vão poder ter recreio na escola e ficar no sol? Como a gente vai regular isso? Quanto de temperatura que uma pessoa é capaz de aguentar ficando do lado de fora sem que a saúde dela não seja afetada?”, questiona.

Sem furacões e terremotos: Brasil, um país privilegiado?

Foto: Reprodução/Instagram @institutotalanoa

O Cristo Redentor recebeu em julho deste ano uma projeção do chamado ‘Relógio do Clima’, reacendendo o alerta para os impactos da crise climática no país. Pela primeira vez, a contagem regressiva mostrou que a humanidade tem menos de seis anos para impedir que o aquecimento global alcance 1,5°C.

Mas como o Brasil pode ser afetado? De fato, terremotos, furacões, tsunamis e vulcões são quase inexistentes no país. Entretanto, a ideia de que o território brasileiro se encontra em plena posição de privilégio frente aos desastres ambientais vem se tornando cada vez mais equivocada com o aquecimento terrestre.

Pesquisas mostram que as catástrofes naturais são cada vez mais comuns no país. Entre 2013 e 2022, nove em cada dez cidades do Brasil registraram emergência ou estado de calamidade pública devido a tempestades, inundações, enxurradas ou alagamentos, segundo dados da Confederação Nacional de Municípios (CNM) divulgados no mês passado. 

Desde 2013, foram mais de 2,2 milhões de moradias danificadas e mais de 4,2 milhões de pessoas que tiveram de deixar as suas casas. O ano passado foi o que obteve o pior cenário, com quase 400 mil residências danificadas ou destruídas. Ainda segundo a CNM, o prejuízo estimado somente com as habitações ultrapassa os R$ 26 bilhões. 

“Nenhuma cidade consegue suportar uma chuva com precipitação prevista para um mês ocorrendo em algumas horas. Isso causa todo um transtorno, como engarrafamentos, perdas materiais, de residências e, sobretudo, de vidas”, enfatiza Drumond.  

Outro aspecto atrelado ao aquecimento global é o derretimento das geleiras. Em abril deste ano, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) afirmou que o gelo marinho da Antártica atingiu seu nível mais baixo e que o nível do mar está subindo duas vezes mais rápido do que na primeira década de medições (1993-2002).

“Quando se fala em crise climática ou degelo das calotas polares muitos pensam que está muito longe. O degelo está diretamente relacionado com o aumento do nível do mar. O Brasil com todo esse litoral vai ser fortemente afetado por isso”, destaca o especialista em direito ambiental.

Projeções do aumento do nível do mar caso a atual trajetória de carbono se mantenha (aquecimento global 3ºC). - Fotos: Reprodução/Climate Central. 

“Com o aquecimento global, muitos desses danos virão e nós vamos ter que conviver com isso”, alerta Ivens, que também atuou por dez anos no Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA).

Quem é o culpado pelo aquecimento?

Gráfico: Reprodução/Climate Watch

Os resultados da emergência climática já são vistos em todo o globo. Temperatura de banheira de hidromassagem no mar da Flórida, Cordilheira dos Andes marcando quase 40ºC em pleno inverno, crise hídrica no Uruguai com água salobra sendo fornecida à população e onda de incêndios recorde no Canadá são apenas alguns dos exemplos recentes.

Mesmo com esses fenômenos sendo manifestados em várias partes do mundo, os países desenvolvidos são apontados como os principais responsáveis pela situação climática contemporânea.

“Todos nós temos uma parcela, mínima que seja, para o aumento do aquecimento. Ao pegar um carro movido a combustível fóssil, por exemplo. Mas, com certeza, os países ricos e desenvolvidos são os grandes responsáveis, porque foram os maiores poluentes de gases de efeito estufa (GEE) desde a Revolução Industrial”, afirma Ivens. 

Na última quarta-feira (23), durante a 15ª Cúpula dos Brics, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também foi condizente com tal responsabilização. Em discurso, afirmou que os países ricos têm "uma dívida histórica com o planeta Terra e com a humanidade" e que é preciso "valorizar o Acordo de Paris e a Convenção do Clima, ao invés de terceirizar as responsabilidades climáticas para o Sul global". 

Leia também: Derretimento acelerado de geleiras deixa pinguins no oeste da Antártica em risco de extinção

Bloquear o sol?

Ilustração do efeito estufa - Foto: Freepik

A fim de reduzir a temperatura global, os Estados Unidos e a União Europeia estudam formas de tentar bloquear a incidência de raios solares. Em julho, o Escritório de Política Científica e Tecnológica da Casa Branca (OSTP) divulgou um documento em que sugere a inserção de objetos refletores da radiação ou mesmo de um possível clareamento das nuvens.

Ainda que o governo norte-americano tenha afirmado que não há planos para estabelecer um programa de pesquisa abrangente sobre o tema, essas possíveis interferências preocupam especialistas.

“As consequências que essas intervenções teriam ninguém sabe, poderiam ser catastróficas. O que a gente tem é que parar de emitir CO2. Essas ideias são para quem não está disposto a cessar a emissão desses gases, principalmente na indústria fóssil”, afirma a doutora em Patologia pela USP.

A mudança de hábito para uma diminuição no consumo, a redução das degradações ambientais, como o desmatamento, e a diminuição dos gases de efeito estufa pelas indústrias e combustíveis fósseis são as principais medidas apontadas por especialistas para conter o avanço da crise climática.

Ivens também afirma que as adaptações nas cidades são mais do que necessárias para reduzir as consequências dos desastres, como a plantação de árvores e o alargamento das vias.

Foto: Getty Images

Iniciativas de ONGs e projetos para discutir a emergência climática também são cada vez mais recorrentes. Um dos exemplos é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) conhecida como a “Lei Mais Urgente do Mundo” (PEC 37/2021), mobilizada por diversos ativistas com o intuito de tornar a segurança climática um direito constitucional.

“Na prática, seria mais um argumento para responsabilizar iniciativas privadas ou o próprio governo, a fim de fazer valer o direito de ter um meio ambiente ecologicamente equilibrado”, explica Drumond sobre a intenção da iniciativa.

Leia também: Saiba o que as escolas de samba fazem após o Carnaval

“Os mais pobres serão os mais afetados”

Foto: Reprodução/Agência Brasil 

Os países com menor infraestrutura e condições para se adaptar às mudanças climáticas são apontados como os mais afetados. Além disso, comunidades marginalizadas, como pessoas negras, indígenas e pobres já enfrentam o chamado “racismo ambiental”.

O termo implica que a distribuição dos impactos ambientais não se dá de forma igual entre a população, já que a parcela marginalizada e historicamente invisibilizada é a que mais sofre com as consequências da crise climática.

“As indústrias vão para a periferia e se instalam sem respeitar ou ouvir aquela comunidade, seja ela ribeirinha, quilombola ou indígena, por exemplo. No entorno desses grandes empreendimentos não têm saneamento básico ou sistema de saúde de qualidade”, destaca Ivens, que também já atuou como conselheiro do Ministério da Saúde.

Segundo o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, moradores de periferias morrem 15 vezes mais por eventos climáticos extremos.

Foto: Getty Images

“A mudança climática está diretamente relacionada com as desigualdades sociais. Ou seja, vai sofrer mais quem tiver menos condições econômicas, seja o país, a comunidade ou os próprios indivíduos”, finaliza o especialista em direito ambiental.

Leia também: Educação no Brasil: O que leva um jovem a cometer um ataque armado à escola?