Adoro HQs, de qualquer tipo. E gosto muito das aventuras de super-heróis – especialmente as bem contadas, é claro. Há um tempo, um amigo me procurou e disse que queria começar a ler super-heróis – e que sua estreia seria por “Watchmen”, a obra-prima de Alan Moore e David Gibbons.
Como disse a ele, “Watchmen” é, para mim, uma obra sensacional e pode ser lida por qualquer um. Maaaaas... Ele queria uma “porta de entrada” para os super-heróis, e “Watchmen” não é bem isso. Bolei, então, uma “cronologia super-heroica”: ou seja, dez aventuras, em ordem cronológica, que mostram os avanços e as principais fases do gênero.
Talvez eu pudesse “apenas” ter sugerido, sei lá, ótimas HQs atemporais de super-heróis, como “Miracleman”, “Marvels”, “Powers”, a Liga da Justiça de Grant Morrison ou o Senhor Destino do J.M. DeMatteis. Mas achei mais divertido ir por esta trajetória. J
“Superman, campeão dos oprimidos!”, de Jerry Siegel e Joe Shuster (1938)
Como tudo começou: a luta do bem contra o mal, uniformes, superpoderes, identidades secretas... A ingenuidade das primeiras décadas já estava lá, mas o herói não era tão “super” assim: Superman sequer voava, apenas era muito veloz, muito forte e dava grandes saltos.
No Brasil: “Superman – Crônicas” nº 1
“Conheça o Capitão América”, de Joe Simon e Jack Kirby (1941)
A origem dos super-heróis tem muito a ver com a Segunda Guerra Mundial: era um escapismo dos jovens leitores, que adorariam esmurram nazistas. Uma pitada de esperança em um mundo marcado por ódio e guerra. Poucos personagens retratam isso também quando o Capitão América, e esta é sua primeira aventura.
No Brasil: “Capitão América - Antologia” nº 1
“Batman - O Superman do Planeta X”, de Ed Herron e Dick Sprang (1958)
Depois que a Segunda Guerra acabou, os quadrinhos de super-heróis perderam sua razão de ser. Dezenas de títulos foram cancelados e pouquíssimos personagem ainda vendiam bem – Superman e Batman, basicamente. A Mulher-Maravilha era esporádica, Shazam saiu de circulação por problemas judiciais e os heróis da Marvel que hoje brilham no cinema ainda não existiam, exceto pelo Capitão América e o Namor.
Neste contexto, os artistas experimentaram muito, e houve muitas aventuras pendendo para a ficção científica – caso desta, em que o Batman vai para o misterioso planeta Zur-Em-Arrh.
No Brasil: “Batman - Arquivo de Casos Inexplicáveis” nº 1
“O Quarteto Fantástico”, de Stan Lee e Jack Kirby (1961)
Os super-heróis estão à deriva? Nada tema, Stan Lee e Jack Kirby estão aqui para os salvar! A Marvel revolucionou o gênero no início dos anos 60, com personagens mais humanos e falíveis, humor e boas histórias. É neste rico momento que surgiram Homem-Aranha, X-Men, Vingadores, Hulk, Pantera Negra e, antes de todos, o Quarteto Fantástico.
No Brasil: “Biblioteca Histórica Marvel – Quarteto Fantástico”, nº 1
“Homem-Aranha - A Noite em que Gwen Stacy Morreu”, de Gerry Conway e Gil Kane (1973)
Nos anos 70, os super-heróis estavam já bem estabelecidos no imaginário dos leitores. Aliás, bem estabelecidos até demais: era difícil quebrar o status quo (a namorada descobrir a identidade secreta do herói, um superser casar etc.). Um dos poucos momentos em que isso ocorreu foi na revista mensal do Homem-Aranha. O Duende Verde, um dos maiores inimigos do personagem, descobre sua identidade secreta – e assassina Gwen Stacy, a namorada do herói. Um momento que chocou os leitores – e com um impacto tremendo que ainda hoje reverbera nas histórias.
No Brasil: “O Espetacular Homem-Aranha - A Morte Dos Stacys”, nº 1
“Crise nas Infinitas Terras”, de Marv Wolfman e George Pérez (1985-86)
O gênero dos super-heróis já estava bem sedimentado nos anos 80, com suas centenas de super-heróis e vilões e dezenas de dimensões paralelas (será que o Universo Cinematográfico Marvel está indo para o caminho? Você viu o segundo filme do Doutor Estranho?). Havia uma dimensão do “nosso” Batman, outra em que ele se casou com Lois Lane, outra em que Bruce Wayne morreu e Dick Grayson virou o herói etc. Na verdade, virou bagunça.
Para arrumar tudo, a DC Comics lançou uma minissérie em 12 edições que é uma verdadeira homenagem ao gênero dos super-heróis, com uma quantidade enorme de superseres de uniforme colorido voando para lá e para cá.
No Brasil: “Crise nas Infinitas Terras”
“Watchmen”, de Alan Moore e David Gibbons (1986-87)
Os heróis são sempre bons! Os vilões são sempre maus! O Bem sempre vence no final!
Esqueça tudo isso. Esqueça qualquer tradição ou convenção do gênero dos super-heróis. As identidades secretas, os codinomes e até os poderes estão lá, mas Alan Moore virou tudo do avesso. Até hoje, há seguidores querendo chegar lá, preenchendo seus roteiros com “heróis malvados”, cenas gratuitas de sexo, violência extremada sem sentido... Não chegam nem perto.
No Brasil: “Watchmen”
“Astro City”, de Kurt Busiek, Brent Anderson e Alex Ross (1995-)
“Pra ser boa, história de herói tem que ter personagem malvadão, quebrando dentes, mimimi...” “Watchmen” foi uma grande minissérie, mas muitos leitores não perceberam quem eram realmente os vilões – dica: eles torturam ou matam. E o que é pior: muitos autores, querendo ser o “novo Alan Moore”, também foram para este caminho, e os anos 90 foram um desastre para o gênero dos super-heróis. E uma das exceções é esta
Não um desastre completo, é óbvio. Uma das exceções é o início de “Astro City”, revista sem periodicidade definida que nos traz aventuras incríveis de super-heróis, com muita personalidade, aventura e bons sentimentos. É um trabalho autoral, então não vemos personagens famosos, mas homenagens a eles: o Samaritano é o Superman repaginado; a Vitória Alada é a Mulher-Maravilha; e a Primeira Família é um Quarteto Fantástico que envelheceu em tempo real. Uma declaração de amor ao gênero dos super-heróis
No Brasil: “Astro City”
“Reino do Amanhã”, de Mark Waid e Alex Ross (1996)
Outra exceção aos modorrentos anos 90, com seus heróis cheios de músculo e sede de sangue, mas sem cérebro ou coração. Esta minissérie em quatro números, ambientada em um possível futuro da DC Comics, tão terrível que o Superman se aposentou. Teria ele desistido da Humanidade? O que teria acontecido para ele tomar esta decisão? Uma história sobre super-heróis e esperança – termos que, afinal, caminham juntos.
No Brasil: “Reino do Amanhã”
“Homem de Ferro”, dirigido por Jon Favreau (2008)
Sim, esta é uma coluna sobre histórias em quadrinhos... Mas este é um artigo a respeito do gênero dos super-heróis. E este transcendeu as HQs graças ao Universo Cinematográfico Marvel (o MCU) – que, aliás, não está só nos cinemas, mas também na TV e celulares, com seus seriados (recomendo vivamente “WandaVision”, “Miss Marvel” e “Mulher-Hulk).
Acho que poucos fãs dos super-heróis de décadas atrás imaginavam que a popularidade do gênero crescesse tanto, e o MCU tem muito mérito aí. O gênero chegará à exaustão, saturando os fãs? Continuará evoluindo? Migrará para outras mídias que ainda nem surgiram?
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