Nem tudo é “Barbenheimer” no cinema, afinal. Na semana passada, estreou nos cinemas brasileiros o longa animado 'The First Slam Dunk', escrito e dirigido por Takehiko Inoue. O filme adapta 'Slam Dunk', obra de tremendo sucesso do próprio Inoue e um dos grandes representantes do curioso gênero dos “mangás de esportes” – no caso, basquete.
Quando eu era mais novo e queria ler mangás, ou ao menos aprender sobre eles, só livros teóricos me salvavam. Afinal, a internet como a conhecemos hoje não existia, e apenas dois mangás saiam com alguma regularidade no Brasil: 'Akira' e, para quem tivesse sorte de encontrar apesar da distribuição descalibrada, 'Lobo Solitário'. Tudo o que eu tinha para saciar minha curiosidade eram os poucos livros teóricos sobre quadrinhos, além do desejo de um dia um pedaço mínimo do que me parecia ser o gigantesco universo de mangás começasse a sair por aqui.
Além do onipresente nome de Osamu Tezuka, o “deus-mangá”, o que me fascinava nestas descrições sobre as HQs criadas e consumidas no Japão era o cardápio extenso de gêneros. No Brasil, por exemplo, as opções de quadrinhos perdiam de lavada para as de cinema: havia apenas HQs infantis, de super-heróis ou de humor, contra filmes de terror, aventura, romance, erótico, humor, infantil, ficção científica, fantasia etc. E me deixava curioso saber que nossa escassez ficava ainda pior diante das opções dos leitores japoneses.
O fã de mangá tinha, além de todos os gêneros distribuídos por nosso cinema, muito mais opções: monstros gigantes à la Godzilla, HQs voltadas especificamente para mulheres adultas ou jovens mulheres, mangás de esportes... Eu sempre fui fã de esporte (infelizmente, apenas fã, nunca praticante) e fiquei feliz quando descobri o tal gênero. Li que havia um premiado mangá sobre pescaria, um bem famoso sobre beisebol etc. Gostava de imaginar se teríamos opções como estas por aqui, onde o mais próximo era o Pelezinho do Mauricio de Sousa (que eu adorava).
O cenário aqui no Brasil hoje, claro, é bem diferente. Temos, felizmente, muitas opções de mangás – e não só de mangás, aliás. O tripé infantil, super-heróis e humor ainda existe, mas anda acompanhado de uma turma bem maior. E aqui estamos nós, falando do popular mangá – e agora filme – de Inoue.
'Slam Dunk' foi um dos precursores dos “mangás de esportes” aqui no Brasil. A Conrad publicou mensalmente todos os 31 volumes da série entre 2005 e 2008. A Panini também lançou a série completa, mas com uma edição diferente, de 24 números, na década seguinte.
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O resumo: Inoue aproveita o mundo dos esportes para narrar a história de um adolescente problemático, Hanamichi Sakuragi, que começa a se encontrar quando começa a praticar basquete. O ponto de partida, convenhamos, não é dos mais originais. Talvez o mais famoso “mangá de esporte” de todos os tempos, 'Ashita no Joe' tem exatamente a mesma premissa – com a diferença de que Joe Yabuki começa a trilhar seu próprio caminho por meio do boxe. Além disso, 'Ashita no Joe' começou a ser publicado em 1970, quatro décadas antes de 'Slam Dunk', que saiu entre 1990 e 1996.
Se a premissa não é muito original, a qualidade narrativa sustentou a série. E não falo apenas pelo sucesso de público - 'Slam Dunk' vendeu mais de 170 milhões de exemplares mundo afora - mas também da crítica. O Japão não possui apenas um grande prêmio de mangás, mas dois: Shogakukan e Kodansha, e 'Slam Dunk' venceu o Shogakukan em 1995. Baita conquista.
O trabalho de Inoue com mangás de esporte não acabou com 'Slam Dunk'. Em 1996 veio 'Buzzer Beater', que é mais fantasia do que qualquer outra coisa – afinal, mostra uma equipe terráquea de basquete participando de um torneio intergaláctico. E em 1999 foi a vez de 'Real', sobre uma equipe de basquete em cadeira de rodas (lançado no Brasil pela Panini).
Os últimos parágrafos podem dar a entender que Inoue só entende de mangá quando aborda a famosa bola laranja indo em direção ao cesto, mas definitivamente não é o caso. É dele também 'Vagabond', história do lendário samurai Musashi (1584?-1645).
Histórias de samurais, em mangás ou não, também não são exatamente novidade. E mais uma vez Inoue se saiu acima da média – conquistou o Kodansha de melhor mangá em 2000, se tornando um dos poucos mangakás a ser reconhecido com os dois grandes prêmios do Japão.
Ainda não assisti a 'The First Slam Dunk' para saber se o lado diretor de Inoue é tão ótimo quanto o seu de mangaká, mas, aqui entre nós, o currículo dele dá esperanças.
Pedro Cirne é formado em jornalismo, desenhos e histórias em quadrinhos. É autor do romance 'Venha me ver enquanto estou viva' e da graphic novel 'Púrpura', ilustrada por 17 artistas dos 8 países que falam português.
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