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Fundação Padre Anchieta

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É sempre interessante quando um quadrinho (ou qualquer obra de arte) tenha tamanha repercussão que mexa com o mundo ao seu redor. 

Lembro de um caso nos EUA que gerou até uma mudança na legislação local: nos anos 80, trabalhadores (taxistas, garçons, vendedores…) de Palm Beach, na Flórida, eram obrigados a andar com certos documentos específicos, enquanto a classe mais abastada não precisava. A tira “Doonesbury”, de Garry Trudeau retratou a bizarrice. Pouco tempo depois, a Lei Doonesbury (sim, com esse nome!) foi aprovada e essa bobagem discriminatória deixou de existir.

A história que vou contar agora não é nova, mas a HQ é inédita por aqui, então acho que nem todo mundo sabe. Trata-se de um mangá sobre vinhos que teve tamanha popularidade que impactou o mercado de vinhos – e reconhecimento intercontinental, com prêmios honorários até na Europa.

Os irmãos roteiristas Shin Kibayashi e Yuko Kibayashi, que assinam com o pseudônimo Tadashi Agi, e a ilustradora Shu Okimoto lançaram, de 2004 a 2014, a série “Kami no Shizuku” – em tradução livre, “Gotas Divinas”. O ponto de partida é o seguinte: um crítico de vinho morre e deixa uma coleção valiosíssima, incrível. Esta herança iria para... o vencedor de um duelo.

O falecido enólogo deixou pistas sobre 12 vinhos incríveis. Ficaria com sua adega quem participasse de uma degustação às cegas e, amparado nas dicas, acertasse o maior número destas “gotas divinas”. Eram apenas dois competidores: o filho deste crítico de vinhos e seu melhor pupilo. Os capítulos, publicados semanalmente na revista “Weekly Morning”, mostravam a disputa entre eles para ver quem havia sorvido melhor as lições do renomado enólogo.

Parece uma história simples, uma espécie de “Os Doze Trabalhos de Hércules”. Mas foi mais do que isso. Os autores usaram vinhos reais na disputa, e a história, muito bem contada, envolveu o público leitor e os fãs de vinho de tal maneira que os rótulos citados passaram a ter seus preços valorizados no mundo real. Um exemplo: o 2001 Chateau de Saint Cosme Cotes du Rhone Les Deux Albion vendia 2.400 garrafas por ano no Japão – até aparecer em “Gotas Divinas”, quando subiu para 12.000 vendas anuais. O mesmo, claro, se deu com outros rótulos, especialmente graças ao fato de que a popularidade do mangá foi aumentando com a sua publicação e se aproximando do desfecho.

Vi na revista “Wine Enthusiast”, inclusive, que os autores chegaram até a ganhar prêmios na França: a “Ordre du Mérite Agricole”, em 2011, e “L’Ordre des Arts et des Lettres”, em 2018 – em tradução livre, “Ordem do Mérito Agrícola” e “Ordem das Artes e Letras”. Além disso, criaram um game de degustação (!) e um clube de assinatura de vinhos nos EUA – este último, confesso, não me surpreendeu.

Tamanho sucesso, claro, não passou despercebido pelo pessoal do audiovisual. Em 2009, a rede japonesa NTV exibiu “Kami no Shizuku”, série fechada de uma temporada e nove episódios. Mais recentemente, a Apple TV+ lançou uma coprodução nipo-francesa que está disponível aqui no Brasil como “Gotas Divinas”.

Entre meus muitos defeitos, não bebo vinho – para decepção dos meus amigos e, especialmente, dos garçons. Mas um mangá como esse? Certamente eu não pararia após os primeiros goles.

Pedro Cirne é formado em jornalismo, desenhos e histórias em quadrinhos. É autor do romance “Venha me ver enquanto estou viva” e da graphic novel “Púrpura”, ilustrada por 17 artistas dos 8 países que falam português.