"As pessoas tentam fugir do sistema, não da religião", diz influenciadora muçulmana sobre o Talibã
Em entrevista ao site da TV Cultura, Mariam Chami reforça que as ações do grupo ocorrem por motivações políticas, não religiosas
19/08/2021 13h45
Desde que o Talibã retomou o poder no Afeganistão, a islamofobia (preconceito direcionado aos islâmicos) se intensificou, assim como interpretações equivocadas sobre as escolhas das mulheres muçulmanas, principalmente nas redes sociais. Em entrevista ao site da TV Cultura, a influenciadora digital muçulmana Mariam Chami ressaltou que todos os mulçumanos podem usar de seu livre arbítrio.
As mulheres muitas vezes se encontram no centro das discussões que ocorrem sobre o Afeganistão. Isso porque, entre 1996 e 2001, período em que o grupo extremista governou o país, as afegãs eram proibidas de trabalhar, estudar, morarem sozinhas e de saírem de casa sem a permissão do marido. Elas ainda eram obrigadas a usar a burca. As mulheres que não seguiam as regras eram humilhadas e sofriam diversas formas de violência.
A comunidade islâmica tem se esforçado para deixar claro que as práticas do Talibã não ocorrem por motivações religiosas, mas políticas. O grupo aplica uma versão radical da Sharia (lei islâmica).
Mariam Chami dedica seu trabalho nas redes sociais para quebrar preconceitos relacionados a sua religião. "A Sharia diz que tanto a mulher, quanto o homem, devem estudar e ir atrás do conhecimento, e que a mulher deve escolher o seu marido, ninguém deve obrigá-la a casar com alguém. Todas as coisas que o Talibã fez com as mulheres, limitando direitos, foram de desencontro com o que o islã prega. O grupo não representa a comunidade islâmica, na verdade, eles estão manchando a imagem do islã", explicou.
Na última segunda-feira (15), imagens de afegãos desesperados se agarrando a aviões para deixarem o país chocaram o mundo. No domingo, horas depois dos extremistas retomarem o controle da capital Cabul, 640 afegãos deixaram o país em um avião militar dos Estados Unidos, com capacidade indicada para transportar pouco mais de 100 pessoas.
As cenas de pânico abriram a porta para a islamofobia. “As pessoas tentam fugir do sistema, não da religião. Porque a pessoa vai manter a religião dela independente de onde ela esteja", aponta Mariam.
Após 20 anos que o grupo foi expulso de Cabul pelos Estados Unidos, depois dos ataques de 11 de setembro de 2001, o Talibã tenta convencer a população de que mudou. Na última terça (17), anunciou uma "anistia geral" em todo o Afeganistão e pediu às mulheres que se juntem ao seu governo. O grupo disse que todos deveriam retomar sua vida cotidiana com total confiança e que as mulheres terão acesso às escolas e universidades, além de não precisarem usar a burca. No entanto, elas deverão usar o hijab (véu colocado ao redor da cabeça).
"Não posso colocar a mão no fogo e dizer que agora eles vão mudar, nós precisamos ver como as coisas vão acontecer, ainda é muito recente", apontou Mariam. Ela ainda explicou que o uso do hijab é uma decisão da mulher: "É uma ordem de Deus, no entanto, cada pessoa tem o seu livre arbítrio, ninguém pode te obrigar a usá-lo. Quem irá julgar a mulher será Deus".
Sobre as críticas nas redes sociais em relação às vestimentas, ela afirma: "As pessoas acham que nós, muçulmanas, somos oprimidas e que precisamos ser salvas. O hijab é a maior prova de coragem de uma mulher, principalmente se ela não mora em um país islâmico. É uma prova de fé, é uma ligação entre nós e Deus, então ninguém pode tentar dizer que isso é errado."
"Precisa existir um movimento que apoie as mulheres, mas precisa existir um limite no sentido de saberem que cada uma é diferente. O certo para você não é o certo para todo mundo. Roupa não tem nada a ver com liberdade", conclui.
Além do trabalho com as redes sociais, a influenciadora é dona de 3 sorveterias em Florianópolis (SC). Ela começou a trabalhar aos 14 anos no restaurante dos pais e é formada em Nutrição.
Combate do preconceito na internet
"Vivemos uma onda de islamofobia muito forte, mas, graças a Deus, hoje nós temos voz e estamos conseguindo reverter essa situação", afirma Mariam. "Independente de qualquer cultura e nacionalidade, as mulheres sempre vão ser as mais afetadas".
"Quando houve o 11 de setembro, a internet não era como hoje, nós não podíamos nos defender, mas agora, se juntarmos todas as influenciadoras muçulmanas, temos um público muito grande, e nós queremos trazer conhecimento", concluiu.
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