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Getty Images Dá para comunicar bem sem abrir mão da qualidade informativa

A educação formal e o distanciamento social na pandemia compartilham o mesmo paradoxo: quanto mais bem-sucedidos mais parecem desnecessários. Os festejos oficiais do próximo Carnaval estão ameaçados no Rio de Janeiro por causa da Covid-19, possibilidade que muitos entendem como sendo excesso de rigor contra aglomerações, um academicismo da turma da Saúde. Logo o Carnaval, cujos principais expoentes se intitulam acadêmicos em instituições denominadas escolas de samba.

Para um desfile valer, há uma série de rubricas que as academias de samba precisam observar. As avaliações levam em conta harmonia, evolução, enredo e outros quesitos que só podem ser atendidos a partir de uma educação formal, de uma aula de samba. É uma crítica recorrente, por exemplo, indicar que um determinado samba-enredo tem cadência de marcha de Carnaval, o que é um pecado nessa área, me disseram.

Leigos como eu dificilmente teriam domínio para diferenciar um estilo do outro e, portanto, poderíamos considerar preciosismo punir uma escola de samba por esse descuido, na hora do julgamento do desfile. Mas os acadêmicos do samba preservam essa tradição há mais de um século exatamente por passarem de geração em geração os ensinamentos sobre a correta reverência ao movimento popular mais importante e assimilado do país.

Isso não quer dizer que o samba-enredo e os desfiles não tenham evoluído e se modernizado com o tempo, o que pode ser facilmente comprovado. Ao contrário, é o rigor dos formatos que possibilita sua revisão controlada e oportuna, gerando uma nova e contemporânea visão acadêmica. Não fossem as regras, os desfiles de Carnaval já teriam acabado. Seria um oba-oba em que cada agremiação poderia fazer o que bem entendesse na avenida, minando completamente a isonomia da disputa.

Para responder a uma pergunta do apresentador Marcelo Tas sobre a relação entre humor e política, no programa Roda Viva - da última segunda-feira (17), o humorista e carnavalesco Marcelo Adnet recorreu ao termo “academiscismo” para criticar a comunicação do espectro político denominado “de esquerda”. Em geral, a expressão com sufixo “_ismo” vem acompanhada de uma carga pejorativa, indicando que o gosto pela informação rigorosa é rebuscado demais, pesado e, portanto, distante da rotina das pessoas. Algo pomposo como os trajes de uma porta-bandeira.

Perdi a conta de quantas vezes ouvi em ambientes corporativos gracinhas sobre a suposta obsolescência da formação acadêmica. “Não seja tão acadêmico”, é um pedido que costuma vir após uma explicação detalhada de algo que não deveria acontecer do jeito que estava acontecendo. “O problema é o tom professoral”, é uma avaliação recorrente para identificar alguém que fala com autoridade sobre algum tema. E tem também o título “professor” que, quando utilizado antes do nome nas reuniões, quer dizer que a pessoa é arrogante e/ou prolixa. Praticamente um integrante da velha-guarda de uma escola de samba.

Por padrão, essas observações partem de privilegiados que tiveram a oportunidade de frequentar um – ou mais - ambiente acadêmico, como nos casos de Tas e Adnet, que parecem concordar sobre o túmulo da comunicação eficiente: o academicismo. Ou seja, não é a mentira, a incompetência nem a malandragem que prejudicam a comunicação política, mas o excesso de informações e explicações corretas. O problema não é o samba atravessar na harmonia, mas a própria convenção do que é harmonia.

E aqui faço um destaque bem acadêmico para subverter esse papo simplista. O conceito de direita-esquerda remonta ao período da Revolução Francesa, no século 18. É ilustrativo que surja na mesma frase que pretende defender algo “novo” e “moderno”. A propósito, data da mesma época o uso na Língua Portuguesa do sufixo “_ismo”, que tem origem grega para definir ação, mas que ganhou semântica depreciativa no idioma local: entreguismo, assistencialismo, golpismo etc.

Voltando ao fácil de entender, chamar qualquer coisa ineficaz de “muito acadêmica” é desonesto em, pelo menos, dois aspectos. Primeiramente, porque empurra para pesquisadores, professores, mestres, doutores e educadores em geral a responsabilidade da incompetência alheia e, também, porque cria uma adjetivação negativa de algo que é fundamental para a evolução humana e cívica. E quem utiliza a expressão nesse sentido sabe muito bem disso, pois esteve sentado lá, nos bancos da academia.

Mas parece ser considerável o número de brasileiros com pleno acesso à educação formal que acham que foi seu talento inato, seu esforço pessoal e suas experiências práticas os únicos fatores de sua ascensão. A “escola da vida que ensina mais do que universidade”, antagonicamente, parece só valer para quem esteve na universidade. A massa de brasileiros – que nem sempre pode mandar seus filhos para as boas faculdades - não costuma reclamar de “hiperacademicismo”, mas de “hipoacademicismo”.

Isso sem falar no desprezo em relação à sabedoria popular que vem implícito na fala. A informação popular, segundo essa lógica, tem de ser reduzida a algo rasteiro, vulgar. Tipo um “samba de uma nota só” – cuja obra homônima de Tom Jobim é altamente acadêmica, aliás, e deve constar daquele livro sobre o compositor que Adnet ostentava na estante durante a entrevista. E havia uma obra sobre o artista russo Wassily Kandinsky, acadêmico da escola Bauhaus, na Alemanha.

A essa altura dos acontecimentos, sabe-se que a guerra de comunicação se trava na circulação da informação e não em seu conteúdo, apenas. Inúmeros desmentidos feitos na época das Eleições, por exemplo, foram produzidos em linguagem bem fácil de entender, mas ficaram só nas boas intenções porque, simplesmente, não chegaram até o público-alvo. A ação de checagem de notícias falsas à época, que seguiu a cartilha do resumo simplificado para as massas das redes sociais, só fez criar odes digitais à ignorância.

Ricardo Fotios é jornalista, professor universitário e pesquisador de temáticas relacionadas ao uso de tecnologias no ecossistema da comunicação. É autor de Reportagem Orientada pelo Clique (Appris, 2018) e pesquisador associado ao ESPM MediaLab.