A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) tem sido um dos assuntos mais comentados nos últimos meses. O "reality show" da política brasileira tem chamado atenção até daqueles não familiarizados com o tema. Mas afinal, o que é e para que serve uma CPI?
De acordo com o Art. 58 parágrafo 3º da Constituição Federal, as comissões parlamentares de inquérito podem ser criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, com o objetivo de investigar um fato determinado, que será o objeto de toda ação, atuando em um prazo determinado.
As comissões acontecem no Poder Legislativo, cuja competência é também fiscalizar e controlar a administração pública, inclusive o Poder Executivo, comandado pelo presidente da República. Podem ocorrer não apenas no âmbito Federal, mas também Estadual e Municipal. Nesse caso, as Assembleias Legislativas dos estados e as Câmaras de Vereadores dos municípios têm a liberdade para instaurar uma CPI.
Para que sejam formadas as comissões, é necessária a assinatura de um terço dos parlamentares. Após a aprovação, seus membros são indicados pelos próprios partidos, obedecendo ao critério de proporcionalidade, ou seja, quanto mais cadeiras o partido tem na Câmara ou no Senado, mais membros terão na comissão.
O professor, doutor em direito e advogado criminalista, Fernando Hideo, conversou com o site da TV Cultura para desmistificar o tema. Segundo o professor, “a questão mais urgente é traduzir essa ritualização que fica distante do povo”.
De acordo com o advogado, a CPI “não é um fim em si mesmo”. É um meio de apuração e investigação, ou seja, não possui o poder de responsabilizar, nem de aplicar sanções, mas sim buscar pela “reconstrução histórica dos fatos”, através de convocação de depoimentos, testemunhas, acesso à documentos sigilosos e em atos mais extremos, quebra de sigilo bancário, fiscal e de dados.
CPI pode prender?
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Uma dúvida bastante comum que circulou nas redes sociais com a CPI da Covid-19, é sobre o direito da comissão de decretar prisão. O assunto surgiu após o relator Renan Calheiros (MDB-AL) ameaçar o ex-secretário de Comunicação Fábio Wajngarten de prisão, alegando o crime de falso testemunho.
"Se ele mentiu à revista 'Veja' e a esta comissão, eu vou requerer a Vossa Excelência na forma da legislação processual, a prisão do depoente", disse o relator da CPI na ocasião.
Sobre isso, Hideo explica que a Comissão Parlamentar de Inquérito “não possui poderes especiais para punir”. Isso porque, em uma situação de flagrância, “qualquer pessoa pode dar voz de prisão a alguém, e esta deve ser imediatamente comunicada à autoridade policial”.
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No caso Wajngarten, o advogado criminalista ainda acrescenta que, uma prisão por falso testemunho durante uma CPI é mais um “ato simbólico" do que uma necessidade extrema, já que o delito não justifica uma prisão preventiva, e deve ser julgado em audiência, além de ser um crime afiançável. “A prisão como pena jamais pode ser imposta pela CPI”, explica Hideo.
Posso ficar calado na CPI?
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Como mencionado, as comissões possuem o direito de investigar e convocar figuras para depor. Mas elas são obrigadas a falar? O caso envolvendo o depoimento do ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, trouxe esta indagação.
Pazuello foi convocado para depor no dia 5 de maio, mas alegou ter tido contato, até então recente, com pessoas que haviam testado positivo para Covid-19. Sem se submeter ao teste, o ex-ministro sugeriu a manutenção da data, com depoimento virtual, ou adiamento, para cumprir a quarentena.
O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), afirmou que aguardaria para que a declaração ocorresse de maneira presencial. Uma nova data foi aprovada pelos integrantes da CPI. A oitiva ocorreu no dia 19 do mesmo mês.
Neste meio tempo, a Advocacia-Geral da União (AGU) entrou com pedido de habeas corpus no Supremo Tribunal Federal (STF) para que concedesse ao ex-ministro o direito de ficar em silêncio. No requerimento, a AGU argumentou que perguntas poderiam levar Pazuello a produzir provas contra si mesmo. O ministro do STF, Ricardo Lewandowski, decidiu conceder ao ex-ministro o direito de ficar em silêncio.
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Hideo explica que a Constituição Federal assegura o direito ao silêncio e a não autoincriminação. Desta forma, investigados não poderiam ser obrigados a falar. Entretanto, no caso de uma testemunha, isso não se aplica, já que são obrigadas a falar.
O art. 203 do Código de Processo Penal afirma que: “A testemunha fará, sob palavra de honra, a promessa de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado”.
Para o advogado, a decisão de Lewandowski é de "difícil compreensão”, já que não foi decidido o papel de Pazuello durante o depoimento, logo, ficava a critério das perguntas o teor investigatório ou testemunhal.
CPI acaba em pizza?
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Os destinos da CPI são bastante imprevisíveis. Finalizadas as oitivas e o recolhimento dos documentos julgados necessários, é produzido um relatório final que possui caminhos variados.
O primeiro, de acordo com o especialista, é de responsabilização criminal. “Caso indicado prática de crime e sua autoria, são encaminhados ao Ministério Público Federal, neste caso”, explica Hideo, lembrando que a CPI pode ocorrer nos três níveis.
O outro caminho, é de consequências administrativas e impeachment. E ainda, caso concluída a necessidade de edição de uma lei, o relatório é encaminhado à mesa diretora da Casa Legislativa.
A importância de uma CPI
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Embora tenha destinos jurídicos, a CPI também age devido a sua reverberação e seu alcance. Na maioria das vezes, o tema estará presente em noticiários diariamente, o que traz grande exposição ao fato determinado, podendo alterar até mesmo os rumos políticos do país. Este é o motivo pelo qual essas investigações ficam sob responsabilidade do Poder Legislativo, e não órgãos policiais, por exemplo.
“Por razões históricas, temas que tem sensibilidade política possibilitam esse tipo de apuração. O legislativo cria leis e as fiscaliza, aí que se insere essa possibilidade. Temas mais sensíveis, é mais uma questão política do que jurídica”, afirma Fernando Hideo, que ainda acrescenta a importância do cuidado para que o trabalho não seja desmoralizado.
“Muito palanque desmoraliza o trabalho e o torna inefetivo. Discurso para a audiência é um impasse para o trabalho”, comenta o advogado a respeito dos longos discursos que antecedem as perguntas dos senadores.
CPIs de destaque
O site da TV Cultura separou três Comissões Parlamentares de Inquérito que mudaram os rumos políticos do Brasil.
CPI do caso PC Farias
Responsável pela destituição do então presidente Fernando Collor, a comissão investigou o pagamento de propinas em troca de favores do governo.
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CPI dos Medicamentos
Foi criada para investigar reajustes excessivos nos preços de medicamentos, além da falsificação de remédios.
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CPI do Mensalão
Com o objetivo de investigar o pagamento mensal de propina a deputados em troca de apoio ao governo, a CPI do Mensalão causou grande crise no governo Lula.
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