O impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff completa cinco anos nesta terça-feira (31). A segunda destituição presidencial em cerca de 30 anos de democracia foi marcada por manifestações, narrativas políticas e banalização de processos judiciais ao ponto de ecoar na sociedade o questionamento: “Foi golpe?”.
Em entrevista à revista Focus Brasil, da Fundação Perseu Abramo (FPA), Dilma afirmou que o ocorrido foi uma “ruptura violenta contra o status quo da democracia” e destacou que Jair Bolsonaro (sem partido) flerta com ‘um golpe dentro do golpe’.
“O golpe ocorreu em 31 de agosto de 2016. O que estamos vivendo agora é a possibilidade de um novo golpe baseado nas formas derivadas da guerra híbrida. Lá atrás, houve um golpe parlamentar, judiciário e midiático. Mas, sobretudo, um golpe do setor financeiro, do capitalismo financeirizado. Um golpe neoliberal. Não houve uma intervenção clássica militar, mas militar, mas uma manipulação das regras legais”, afirmou Dilma.
Por outro lado, houve comemoração. “Nesse dia 31 de agosto de 2016, o Senado deu o ‘ Tchau, querida’”, escreveu Eduardo Cunha em sua rede social. O então presidente da Câmara dos Deputados, preso preventivamente por corrupção passiva e lavagem de dinheiro em meio às investigações da Lava Jato, foi responsável pela abertura do processo de impeachment contra Dilma.
Tal feito se transformou em um livro de sua autoria em parceria com Danielle Cunha intitulado “Tchau, Querida — O Diário do Impeachment”. A sinopse expõe como abordagem da publicação os bastidores do processo de impeachment e o “cabo de guerra” que, segundo a descrição, envolvia o ex-presidente Lula e Michel Temer e “a corda desse cabo de guerra logicamente era o próprio Cunha”.
Para a professora de direito constitucional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Carolina Cyrillo, "a banalização do impeachment é pior para a democracia do que a derrota nas urnas a cada quatro anos porque ela cria mártires, injustiçados e uma narrativa política”.
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Como funciona um processo de impeachment?
Qualquer cidadão pode fazer um pedido de impeachment. O caráter de denúncia exige que sejam apresentadas provas. Como princípios jurídicos determinam não haver crime sem lei anterior que o defina, tais delitos intitulados crimes de responsabilidade estão configurados na Lei 1079/50, e no Art. 85º da Constituição Federal.
O recebimento da denúncia e a abertura do processo ficam a cargo do presidente da Câmara dos Deputados. Recebidos 342 votos dos 513 deputados, equivalente a um terço da Câmara, é autorizado a tramitação do processo, que segue para julgamento pelo Senado Federal. Para que o mandato seja cassado, se exige que 54 dos 81 senadores estejam em concordância com a destituição.
O impeachment é uma ferramenta política
O ex- ministro da Justiça Paulo Brossard tratava o impeachment como um componente político. Com isso, Cyrillo destaca a importância do cuidado com o processo. “O impeachment não pode ser usado como sendo cassação por parte do parlamento. Os chamados golpes na América Latina nos trazem a dimensão de que o impeachment não é necessariamente bom, a gente tem que ter muito cuidado”.
A especialista em direito constitucional aponta que a ex-presidente não cometeu crime que justificasse o processo, e afirma que o caso foi uma “deturpação do processo de impeachment”.
Para a cientista política Juliana Fratini o impeachment não foi construtivo e criou fragilidades, dentre elas, a grande polarização que resultou na eleição de um candidato, segundo Fratini pouco qualificado, por meio de “narrativa populista e salvacionista”, destaca a cientista fazendo menção ao atual presidente.
"Não houve melhoras na economia, nem capacidade de gestão em diversos núcleos de interesse social, entre eles a saúde em meio a pandemia, educação, nem cuidado com o meio ambiente, muito pelo contrário”.
Sobre as funções do instrumento, a cientista destaca o recurso de pressão. “Esses pedidos [de impeachment contra Bolsonaro], foram pedidos de pressão política para deterioração da imagem do presidente. Nunca houve efetivo interesse das próprias elites políticas e da sociedade em ter um novo militar no poder”.
Outro ponto trazido por Fratini é o impeachment como pedagogia política para explicar à população que existe a ferramenta para retirar o presidente da República do poder, caso este venha a cometer crimes.
Contudo, a legitimidade popular do processo não deve ser confundida como poder aos membros do parlamento, tampouco aos chefes do Executivo.
“Bolsonaro incita o tempo todo pedido de impeachment para membros do Supremo Tribunal Federal”, afirma a cientista que acrescenta a importância da informação “a população precisa ser mais bem informada sobre em que casos o impeachment pode ser aberto, de quanto ele se faz necessário”.
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